Depois de passar centenas de vezes à porta da minha Faculdade sem sequer dar mais um passo e recordar pelo menos os corredores sombrios por onde nos anos 60 corria para, mudar de sala de aula, voltar para casa e matar a fome, tentar minorar o atraso com que chegava a uma aula, apanhar a borla do estribo do eléctrico até ao Largo do Rato para aí apanhar um Autocarro que me levasse a buscar a minha Namorada à Escola de Artes Decorativas de António Arroio, aguardar impaciente a chamada para um exame oral e a seguir ficar ansioso pela abertura final da porta por onde um funcionário anunciava os resultados, ontem, num impulso, quiz reviver uma parte dessa memória, dispondo-me a fotografar a escada de entrada nas aulas e a entrada do grande corredor, que atravessa o edifício de um lado até ao outro.
Reentrei na minha Faculdade, que é hoje um Museu, e com meia dúzia de passos dados, de uma forma automática ,sem dar mesmo por isso, entrei na primeira porta do corredor á direita, e fui atingido por um Mundo de emoções. Não era apenas a beleza, naquilo que esta tem de mais indeciso, a luz difusa da claraboia daquele Laboratório de Química de outrora que com a sua moderna arquitectura da fusão entre o ferro e o vidro, está hoje radiante com os watts da iluminação de arquitecto, o burburinho dos Professores, Auxiliares e Alunos está transformado num silêncio musical, as paredes sombrias dos vapores das experiências laboratorais estão agora contaminadas pelas tintas suaves não tóxicas que os pigmentos inventados pelos químicos proporcionaram à escolha da arquitectura de interiores, o cheiro a gaz queimado pelos bicos de Bunzen parecia que ainda lá estava!
Foi difícil escolher, entre respirar aquela memória e disparar para todos os lados e aprisionar todos aqueles momentos, como que estivesse a reviver o pânico com o grande incêndio que quase destruiu todo aquele Património. Mas, os momentos iniciais depois de entrar no “meu” Laboratório de Química foram ainda mais perturbadores, pois, ao contrário de antigamente, estão abertas de par em par as portas e a bancada comunicantes com o Anfiteatro, este de arquitectura neoclássica, que logo me chamava para me obrigar a sentar uma vez mais no “meu” lugar, e aí já rodeado pela paz silenciosa dos reflexos ténues das vibrações orais das aulas dos meus Professores, fui capaz então de voltar a sentir, o prazer de estar ali mesmo, vivo, debaixo daquele tecto resplandecente, e de ter tido no meu País Académicos e Políticos que utilizaram os dinheiros Públicos para fazerem uma Obra notável que ao desconhecê-la me envergonhei com algum do tempo perdido noutros recantos.
Com projecto de João Pedro Monteiro (1826-1853) e Pierre-Joseph Pezerat (1801-1872), o Anfiteatro em hemiciclo é o espaço de aulas teóricas utilizado também como Aula Magna, lugar de excelência para as grandes cerimónias oficiais.
The lecture Theatre was designed by Pedro Monteiro (1826-1853) and Pierre Joseph Pezerat (1801-1872). It was used for theoretical lectures and also as aula magna as it was ideally suited for major official events.
A disposição formal dos elementos do anfiteatro hierarquizava visivelmente o espaço.O gradeamento separava as bancadas onde se sentavam os alunos do lugar central ocupado pelo Professor.
Na bancada em U, colocada no centro da sala, realizavam-se demonstrações experimentais, executadas pelos preparadores, como suporte à matéria teórica.
As colunas de mármore davam o enquadramento clássico ao busto de Lavoisier (1743-1794) e duas outras fuguras inspiradoras estavam presentes no decorrer das lições: Justus Liebig (1803-1873) e August W. Hofmann (1818-1892), representados à direita e à esquerda das bancadas, e que configuravam o paradigma de investigação científica, de organização e utilização de técnicas laboratoriais, que influenciou, através dos seus discípulos, várias gerações de químicos na Europa e nos Estados Unidos.
Do meu “lugar”, divisei o silêncio do giz acariciando o enorme quadro de ardósia, o silêncio dos passos dos Mestres sobre o estrado que sustenta a velha secretária e a cadeira de fundo de palhinha, e no grande cenário da divisória com o laboratório, a fachada do Templo Greco-Romano encimada pelo busto do Deus da Química!
E aberta, encontrei a porta por onde passei para os momentos mais dramáticos das minhas apresentações práticas no balcão das experiências ou no quadro, por debaixo daquele tecto Partenónico.
Vai ser preciso lá voltar, para arrumar melhor as imagens que hoje criei, vai ser preciso lá voltar com a minha Namorada e recordar-mos os dois ao vivo o pequeno lavatório onde lavámos as mãos,
nos tempos em que ainda sem termos dinheiro para comprar uma mufla demos corpo aos primeiros esmaltes em cobre na mufla que servia para limpar as impurezas dos cadinhos, e vai ser preciso ainda lá voltar para tentar visitar a Sala daquela que além de minha Professora de Química I e Química II, foi a nossa velha Amiga Professora Doutora Marieta da Silveira.
Por hoje, chega, ficam algumas imagens, imagens “iguais” às que gosto de fazer em qualquer outro Museu quando isso está permitido,
mas muito diferentes, porque estas contam mesmo uma parte de anos de história da minha vida.
Deixei para trás o edifício da velha Faculdade de Ciências de Lisboa, e retomei o caminho a pé para casa pela Rua da Escola Politécnica, onde ainda há como dantes namorados de mão dada,
mas também as modernices das malinhas com rodas
e os beberricos das “latas que dão asas” que a “minha” Faculdade não chegou a conhecer!
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