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quarta-feira, agosto 24, 2011

Um nicho de “mercado” na investigação arqueológica


Consciência e memória são inseparáveis, pois a consciência implica memória, e a memória, consciência. - Mario Ferreira dos Santos

O pensamento de MarK Rothko sobre os críticos de arte, estendo-o aos críticos em geral, e por isso só me quero pronunciar sobre as “obras campaniformes” na exacta medida do seu contributo para a divulgação do elevado conteúdo artístico das criações dos artífices do Calcolítico, e salientar a discriminação sofrida pelos contextos calcolíticos dos territórios do meu País, por parte de alguma Comunidade Científica Europeia. Octávio Veiga Ferreira (1917-1997), (OVF), sempre defendeu que a Cerâmica Campaniforme Europeia nasceu algures entre o Vale do Tejo e a península de Setúbal, mas creio estarmos ainda longe de conhecer provas determinantes de que não foi assim. Com as análises por C14 a amostras recolhidas em muitos e muitos “sítios” constituiram-se séries de datas que poderiam hierarquizar em definitivo a antiguidade de conjuntos territoriais, mas no estado actual do conhecimento será sempre possível o aparecimento de um novo dado que clarifique o apertado intervalo em que as incertezas ainda se movimentam.


A verdade, é que existem tipologias bem marcadas para alguns vasos, salientando-se o ex-libris do Campaniforme, o chamado Estilo Internacional que se “encontra vulgarizado” por toda a Europa, com um perfil em S, e em que a decoração ocupa toda a superfície exterior em linhas ou em bandas de composições em cartelas horizontais.

Segundo Alain Gallay

Tem enorme importância e assinalável conteúdo criativo a existência de aspectos decorativos particulares, como é o caso dos que durante muito tempo pareciam concentrar-se em quantidade determinante nos monumentos funerários da Quinta do Anjo em Palmela, relevando-se na cerâmica o ícone “Taça de Palmela”,


e que são acompanhados na metalurgia do bronze, pela chamada “Ponta de Palmela”, que teve uma plena difusão Europeia,


e ainda no centro da Meseta Ibérica, cerca de Madrid, a cerâmica decorada com o chamado de Tipo Ciempozuelos.


Mas, pelo menos cerca de Ferreira do Alentejo devem estar por ali muitos fragmentos de centenas de taças tipo Palmela, infelizmente a voltarem à sua condição inicial de partículas de barro, fracturados pelos processos mecanizados da agricultura intensiva e dissolvidos pela água das redes de rega da Barragem do Alqueva que agora inundam grande parte do Baixo Alentejo, numa alargada área onde se reconhece em espaço aberto a existência de um grandioso Povoado do Calcolítico, atravessado por uma ribeira e defendido no passado por pelo menos duas linhas de fossos agora invisíveis, e disso irei fazendo publicações dedicadas. João Luís Cardoso (JLC), referindo Castillo e Harrison, admite que os vasos “marítimos” encontrados em Porto Torrão, poderiam ter origem litoral ocidental.


Bordo de Vaso Campaniforme – Taça de bordo espessado com lábio aplanado

Porto Torrão, Ferreira do Alentejo-

Na última “Bíblia”, que demorei anos até conseguir poder ter à cabeceira, ( Bell Beakers today – Pottery, people, culture, symbols im prehistoric Europe ) que corresponde a um ponto de situação sobre o conhecimento Europeu do fenómeno Campaniforme, realizado em Trento, Itália em 1998, bem gostaria de ver com maior destaque os “nossos” fazedores de cultura do III Milénio AC, embora compreenda que não podia deixar de se preocupar também com a difusão do vaso campaniforme por toda a Europa Continental e pelas Ilhas Britânicas. Hoje, qualquer pessoa percebe as consequências de Portugal ser chamado de País periférico ou do Sul, embora este último adjectivo venha sempre carregado de sentido depreciativo, e por isso embora carregadas de excelência, as nossas publicações Arqueológicas sempre tiveram dificuldade em “passar” os Pirinéus, e estender-se pelas bibliografias do centro do Continente, e por isso OVF viu publicado através de uma das Memórias dos Serviços Geológicos de Portugal “ La Cultures du Vase Campaniforme au Portugal – Lisboa 1966”, para mais fácilmente conseguir promover e difundir a enorme importância do Calcolítico Peninsular,


e no Colóquio de Trento também JLC, o “Arqueólogo de Leceia”, apresentou e aceitou publicar a sua comunicação, em Francês.



Mas, tenho esperança que chegará talvez um dia em que um investigador que não se julgue mais iluminado por ser “proprietário” da investigação de um importante complexo do Campaniforme que lhe limite o enfoque, ou que revele distanciamento da investigação no terreno, tenha meios financeiros para, com uma abordagem pelo lado estético aos processos tecnológicos, comece a construir um Corpus da Arte Campaniforme “Portuguesa” e então talvez seja possível, ou não, atribuir a OVF, a título póstumo, a Ordem do Mérito Campaniforme.


Bordo de Vaso Campaniforme – Porto Torrão, Ferreira do Alentejo

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