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terça-feira, agosto 02, 2011

O despertar da intimidade com as objectivas (INTRÓITO)

A importância do meu Avô AS, nascido faz hoje 124 anos, no meu despertar para o interesse sobre a fotografia, não se resume à influência do seu velho aparelho fotográfico, pois devo à sua pessoa uma imensidão de estímulos na formação da minha personalidade e dos mais variados dos meus gostos. Por isso, para que não se percam algumas das emulsões que ainda resistem às agressões dos raios ultravioletas e alguns dos registos que é possível extrair de memórias sensoriais, e deixar tudo isso por aqui registado, quero começar por evidenciar que devo a este Avô muita parte da minha actual liberdade de pensamento e de escrita, em contraponto com o tempo que vivi com ele debaixo da ditadura do chamado “Estado Novo”, uma época em que até foi “perigoso” eu ter podido saber da viva voz de qualquer dos meus progenitores a côr das suas penas, impostas pela sua forma livre de pensar e de agir contra a corrente.
Só quase a fazer 60 anos, soube por mero acaso, através da última familiar ainda viva no cume da minha pirâmide S, que o meu Avô tinha sido Oficial do Exército de Carreira e que tinha sido afastado da sua função depois da revolução fascista do 28 de Maio de 1926 em virtude de ter participado numa das muitas revoltas militares ocorridas no final da Primeira República. Até aí, sempre me tinha convencido que a fotografia aqui revelada era de um Oficial Miliciano que tinha sido incorporado no Exército por sua vontade, pois sempre soube que desde os 18 anos ele tinha sido Administrador do Concelho de Salvaterra de Magos, e as referências que escutei da sua passagem pela Faculdade Ciências de Lisboa não as consegui associar à sede da formação dos Oficiais dos Exércitos de então.
Este Casal e seus quatro filhos constituiu, felizmente durante muitos anos, os dois níveis cimeiros da pirâmide da minha Família S, e de cada um deles recebi carinhos e palavras que aperfeiçoram cada um a seu modo o meu ADN.
Com este Avô, conheci, e reconheci, todos os Mueus de Lisboa e arredores, sempre auxiliados pelos transportes públicos, pois a alteração na sua qualidade de vida provocada pela Ditadura Salazarista não voltou a permitir-lhe adquirir um automóvel sucessor do que sempre ouvir chamar como o AC, e do qual ainda conheci a caixa metálica das ferramentas e os farolins a gaz, estes que ainda conservo. Os Eléctricos da CCFL, os Comboios da CP, os barcos para Cacilhas, as mais diversas carreiras de autocarro, os electricos para a Praia das Maçãs foram actores fundamentais da história dessa nossa vida urbana e suburbana.
Esses passeios dominicais, a dois, rodeavam-se sempre de conselhos enformantes de um perfil de frontalidade, honestidade e verdade na forma de avaliar os rigores da vida, e também se compunham de um momento de retempero nos variados locais de culto que o meu Avô frequentava em particular na Capital, onde trocava dois dedos de conversa com os Amigos, entre os quais se destacava o Dr.Anastácio Gonçalves seu companheiro de carteira na Escola Primária, e cuja cultura artística contaminava todas as conversas, e estimulava compromissos com roteiros de arte, possíveis e impossíveis. A esmagadora maioria desses Cafés foram desparecendo, ou com as invasões arrendatárias da alta finança entrando pelo coração da baixa Lisboeta ou pela descaracterização imobiliária de parte da nossa Capital.
Para além da nossa cumplicidade citadina, partilhámos muitos períodos das minhas “férias grandes”, como foi o caso do momento desta imagem, tirada em Monchique em casa da minha Tia Avó S.
O meu Avô AS, além de escriturário na Junta Nacional do Vinho, serviço Público que fazia parte do esqueleto principal do Estado Novo, hoje com outra denominação (IVV) e certamente à mercê da voragem “revolucionária” dos Neoliberais no poder, era ao mesmo tempo Secretário Geral de uma Associação de Agricultores e como editor da Revista mensal que aquela publicava, lembro-me bem de ter sofrido, pelas suas responsabilidades editoriais, os incómodos do “lápis azual” da censura, e a que se conseguia furtar com elevação através da intervenção empenhada de alguns dos seus Amigos.
O Avô AS, que está nesta imagem com a mão esquerda acaraciando a minha Mãe, partilha o banco com o seu Pai, meu Bisavô JS que naturalmente não pude conhecer e a quem dedicarei oportunamente um cantinho da minha “Lente”, para que pelo menos os seus quadrinetos saibam que ele existiu e como soube ser percursor deste Blogue, e meu inspirador! Na imagem final, o “caçador” que nunca conheci, está acompanhado da minha Avó B, e do cão que foi protagonista de muitas das histórias com enredos fantásticos que ela me contava para eu adormecer, ou minorar-me o desgosto quando estava doente e retido no leito.



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