A fonte fundamental da criatividade, seja na ciência seja na arte é a intuição – Boris Uspenskij
Esta página, no meio de milhões de outras diferentes, onde diáriamente acrescento algumas linhas, “registos”, não concede irmandade a um diário, mas é amigável pelo previlégio de se comportar ao mesmo tempo como um album de imagens e uma extensão não manuscrita do meu prório imaginário criativo, ao que parece sem limite de “comprimento” (a página,...), residente na tal entidade abstracta chamada de “Web”. Esta, introduziu no nosso vocabulário novos termos que o comodismo, a simplicidade da derivação saxónica e a falta de sentido patriótico ainda permitem não se recorrer sistemáticamente a traduções letra a letra, e lembro-me sempre a este propósito com mágoa, o orgulho do nacionalismo Espanhol, pois, por exemplo, quando assisto pela TV Espanhola a uma partida de ténis, todos os termos vulgarmente ouvidos em Inglês têm, mesmo todos, tradução para Castelhano, enquanto os praticantes e comentadores Portugueses nascidos de um elitismo medíocre, não falam mais Inglês porque julgam correr o risco de poderem ser despedidos. Mas, nem sempre é assim, pois nos círculos científicos, socialmente anti-elitistas, procuram-se palavras portuguesas para que tudo seja traduzível com racionalidade. Os “Bell Beakers”, são disso um extraordinário exemplo, para os quais a Arqueologia Portuguesa deduziu o termo Cerâmica Campaniforme.
Capa - Edição Franco Nicolis, Provincia Autonoma di Trento, 2001
Na análise que podemos fazer do passado, a Arqueologia, ajuda-nos a compreender que a criatividade nas épocas mais recuadas destapa contactos entre populações que algumas delas, podiam quiçá como hoje se diz, ditar tendências de moda, ou “vulgarizar” um costume, mas também demonstra que logo surgiam fortíssimas diferenciações personalistas, que tão bem definem as intrínsecas potencialidades Humanas. Há cerca de um pouco mais de quatro milénios nasceu algures por aqui, ou por aí, ainda não o sabemos, uma raiz comum de um vaso descritível como um sino invertido, o tal “Bell Beaker” e que se espalhou pela Europa, embora em áreas delimitadas, tendo-se a forma base, tornado mais ou menos alongada, mais ou menos globolada, e sendo todos os vasos decorados exteriormente, e em algumas formas também interiormente.
Os vasos representados nesta imagem, a que os Italianos chamam de bicchieri (copo), pertencem ao espólio do Povoado fortificado de Vila Nova de S.Pedro, exposto no Museu do Carmo.
Nas “novas” formas que foram surgindo, os padrões decorativos, foram a pouco e pouco traduzindo a plasticidade criativa dos vários territórios, ou pelo efeito do contacto esporádico dos autóctones com as produções do território emergente, ou porque reflectem os rastos mapeados de grupos nómadas com hábitos peculiares, que confluiam para determinados locais por motivos transcendentais, ou por outras razões mais complexas do ponto de vista da (re)evolução sócio-económica, ou porque tinham como destino fazerem parte de mobiliário funerário de eleição, e para eleitos. As populações dos milénios seguintes, ou de parte deles, foram fazendo evoluir as formas cerâmicas ao ritmo da adequadação e da evolução dos seus ideários simbólicos e dos usos alimentares derivados do desenvolvimento e da renovação das culturas básicas, inventando e legando padrões criativos que perdurarão como marcos eternos do conceito de Belo.
Muito antes de surgir a rede (web), quando as imagens da criatividade ancestral que a Arqueologia trouxe à superfície começaram a ser impressas, logo serviram de inspiração a inúmeros artistas, continuando essa prática ao longo de todas as épocas até mesmo às mais recentes, sem repulsa pela sua origem primitiva. A criatividade, antes e depois da rede são coisas muito distintas. A facilidade com que se acede à inspiração criativa, quase em tempo real do que acabou de nascer nas nossas antípodas , exacerba a réplica, e torna a globalização cada vez menos amigável, e embora exista a ilusão de que o copiar/colar cria duas imagens digitais iguais, realizemos que não passam de ficheiros com apenas aproximações instantâneas.
Como acabei por me tornar num “gastrónomo” das Culturas do Neolítico Final até à Idade do Bronze, era obrigatório abrir aqui o apetite com a melhor das “antipasti Arqueológicas” - a Cerâmica Campaniforme, cumprindo a promessa de dar eco dos criadores do Belo, de todas as épocas.
Bordo de Vaso Campaniforme – Porto Torrão, Ferreira do Alentejo
As motivações que rodearam a criação da cerâmica campaniforme, e a sua difusão, continuam passado quase um século e meio de estudo a constituir o que alguns chamam do “enigma do campaniforme” envolvido numa cerrada e complexa discussão para a qual não devo aportar uma grama, mas quero poder reproduzir muitos dos estímulos escondidos em visões do imaginário simbólico impressas ou incisas nas superfícies destas cerâmicas, para partilhar e provocar algumas visitas a locais do Culto Campaniforme, “aqui” tão perto, nos quais se incluem muitas vitrines de Museus com a exposição de lindíssimas peças únicas e motivadoras para reflexões sobre a evolução descontínua da Humanidade.
Vaso de Cerâmica Campaniforme – Quinta do Anjo, Palmela – Colecção MNA
No coração de Lisboa, existem dois desses locais de Culto, um num cantinho do Convento do Carmo, e o “melhor deles” com apenas o constrangimento do horário do funcionalismo Público situado na Rua da Academia das Ciências na sede do Instituto Geológico e Mineiro, de que sou um assíduo frequentador e admirador, até pela circunstância de ter intervido no trabalho de limpeza e conservação do vaso votivo com destaque na imagem seguinte, que fez parte do mobiliário funerário da Necrópole da Quinta do Anjo e pertencente ao acervo exposto neste Museu, oportunidade que disfrutei durante um dos vários cursos que ali frequentei na esfera da Arqueologia.
Em 2008, o Ministério da Cultura, participou em conjunto com o Instituto Arqueológico Alemão, numa acção de divulgação da “Cultura” do Vaso Campaniforme na Europa, com duas exposições, uma em Torres Vedras, pois é naquele Concelho que se situa o Povoado do Zambujal, um dos mais emblemáticos e pujantes recintos fortificados do III Milénio no Nosso País, com marcada presença campaniforme, e,
Museu de Torres Vedras
uma outra, enorme e inesquecível no MNA, estando as fichas da exposição, com contributos de autores Nacionais e Internacionais, disponíveis no site do Museu.
MNA - Museu Nacional de Arqueologia