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sexta-feira, julho 08, 2011

A VELHINHA PONTE SOBRE O GUADIANA JUNTO A SERPA


Atravessei esta ponte, dezenas de vezes de carro e uma vez a pé, mas se agora ainda tal é possível para um candidato a equilibrista, ainda não estou tentado a fazer essa experiência radical.
 A Ponte, tal como está, ainda é uma imponente estrutura, com corpolentos pilares de secção ovalizada e com golas na parte superior como palmas de muitas mãos, sem indícios de constrangimentos no enrocamento dos sopés implantados no leito do rio, contrastando com o desenho rectilínio dos pilares duplos da moderna ponte rodoviária. Também a linearidade das novas balustradas soldadas a arco eléctrico e pintadas de vermelho, contrastam com as épocas do rebite e dos reforços cruzados que rendilham as barras de ferro descolorido da ponte velha. Pensar nesta velha ponte, recordá-la a quem a conheceu, ou dá-la a conhecer, acabou por ser pretexto para, atravessar pela primeira vez a pé a actual ponte rodoviária, que para além desta função acolhe debaixo do seu tabuleiro inúmeras dezenas de ninhos de andorinha, e depois de gozar os reflexos atmosféricos registar partes dos seus horizontes.
Vale a pena aproveitar os parques de estacionamento existentes em cada margem e em ambos os sentidos, interromper a viagem por alguns minutos e percorrer a pé o passeio largo, marginal à ponte, e disfrutar calmamente do panorama com o maior horizonte sobre o leito natural do Rio Guadiana que se pode imaginar. E, também é uma experiência quase radical, como agora é uso dizer-se, encostar-mos a cintura ao parapeito de ferro e sentir a enorme vibração provocada pela passagem dos automóveis e, mais forte ainda, com as grandes transportadoras de mercadorias.
Apesar de idolatráveis, estes pilares, não têm mesmo qualquer relação metafísica com esta zona do rio, e em particular com alguns ”sítios” não muito distantes, nas duas margens, onde se implantaram há cerca de cinco milénios o “Povoado dos Três Moinhos”, e o “Cerro dos Castelos de S.Brás”, mas as suas formas até podiam ter-se inspirado num qualquer artefacto idiotécnico presente nas cerimónias mágicas e inimagináveis da vida ritual dos seus ocupantes.

Esta ponte, Ferro-Rodoviária e também pedonal, foi a primeira obra de arte a permitir o atravessamento do Rio Guadiana, junto a Serpa, pois antes de ela ter sido construída a passagem entre as margens era assegurada por uma barca, que operava para montante, não muito longe do local de implantação da ponte. Também era possível no Verão atravessar o rio a vau num local conhecido por Porto Beirão, que foi utilizado seguramente pelos exércitos da Bética, pois ainda cheguei a conhecer um pequeno troço da estrada romana lageada que conduzia ao rio nesta zona da margem direita, e que progressivamente os abutres ilegais das areias do rio acabaram por destruir. Das memórias mais recentes, relativas ao transporte de pessoas e bens entre as margens, resta a casa do barqueiro actualizada e ainda bem conservada.
Intencionalmente, ou não, despareceram da ponte com o tempo, as travessas adicionais de madeira que constituiram uma plataforma muito segura colocada ao lado e no meio dos carris do caminho de ferro, e que permitiam a circulação pedonal e rodoviária. Em cada margem, existia junto à linha do comboio, uma casa onde viviam os guardas das passagens de nível, edifícios que estão hoje em ruínas e cujas paredes servem agora de telas para alguns escriturários.
Além de duas amplas e autónomas casas de habitação, cada estrutura tinha anexa uma “guarita” independente, com um banco em pedra e três rasgadas janelas que garantiam a observação e controle da circulação dos comboios no horizonte visual da responsabilidade dos guardas da passagem de nível.
Tem razão o autor desta frase; do TUDO que podia significar, a ponte ainda É de utilidade pública, mas passou a servir para o NADA, e até é perigosa para alguém mais incauto.



A demora na espera pela abertura das cancelas antes e após a passagem dos comboios, era variável em função do sentido que levavam; era o tempo da ausência de automatismos, mas dos controles de seguranças adicionais, complementares às comunicações por voz através dos telefones fixos, garantidos através de um testemunho material que era entregue pelos guardas das passagens de nível aos maquinistas, para ser entregue ao chefe da Estação de Brinches quando o comboio vinha de Beja, e devolvido quando o comboio voltava de Moura.
Era um tempo de uma excepção especial no monopólio das comunicações telefónicas, pelo que a CP tinha a sua própria rede telefónica que lhe garantia autonomia, embora lhe tenha custado instalar toda essa infraestrutura, e de que ainda se podem fazer algumas imagens para museologia futura, de um património que pode ser apropriado, ou salvo, por quem a isso se disponha.
Como a linha tinha um plano ascendente até à estação de Brinches, que fica a cerca de 5 km a norte de Serpa, logo que o comboio partia dali para Beja as cancelas eram fechadas, após um aviso por telefonema feito a partir daquela Estação até aos postos das passagens de nível, para se assegurar que não havia perigo da composição ficar sem freio, e quando o sentido era inverso, tinhamos que aguardar pelo telefonema de aviso da chegada da composição e dos passageiros, todos “sãos e salvos”, e então lá se iniciava a travessia ora num sentido ora noutro, com o carro aos estremeções sentido-se as travessas tentando soltarem-se dos pregos que as agarravam às solipas onde ainda assentam os carris, estes firmemente aparafusados à estrutura metálica da ponte. Formavam-se longas filas de carros quando se aproximavam as horas da passagem dos comboios, mas esse tempo de espera servia para espreitar o rio e esticar as pernas depois de uma viagem que durava perto de 4 horas entre Lisboa e Serpa, num percurso que passava por, Coina, Rio Frio, Marateca, Alcácer do Sal, Torrão, Ferreira do Alentejo e Beja.








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