Antes da existência desta Europa Política a que pertencemos, havia uma outra Europa a que não pertencíamos. Até entre Espanha e Portugal, havia uma encorpada fronteira, aparentemente física e comercial, mas que de facto era também uma fronteira política, mau grado a comum matriz Fascista de Franco e de Salazar. De pouco nos valia a cotação forte do Escudo face à Peseta, pois esta valia metade, cinco tostões com se dizia aos Espanhois com sobranceria, já que não só era preciso Passaporte para atravessar a fronteira, como também as vias de comunicação fronteiriça não convidavam a longos percursos, e daí a célebre prática de ir a Badajoz comprar caramelos! Na volta, era proibído trazer quase tudo, todas as malas eram abertas e revistadas com minúcia e com a solenidade das luvas brancas dos funcionários da Direcção Geral das Alfândegas, terminando não raras vezes por pagamento de direitos por dá lá aquela palha, ou por um simples, porque sim! A roupa, era o que mais lhes custava a engolir na revista das bagagens pois a nova vinha sempre sem etiquetas para impedir a prova de origem, o que levava ao aguçar da busca, embora as nossas mulheres sempre fizessem a mala o melhor e mais natural possível, e sempre acabasse de passar algo sem comentários. O baralho de cartas na imagem, a causa primeira destas lembranças, pertencia a uma pessoa da minha família, chegou-me às mãos recentemente, foi fabricado na Bélgica, e destinava-se a presentear os Clientes deste Banco na sua Rede de Agências existente em França, onde se disputava árduamente a recolha de divisas logo transferidas para Portugal e fundamentais para o equilíbrio da Balança de Pagamentos do nosso País. Embora de fraca qualidade, estas 52 cartas de jogar eram muitíssimo superiores àquelas que se podiam comprar em Portugal a um preço aceitável e que baralhadas uma dúzia de vezes tornavam-se insuportáveis, e embora o jogo constasse do Catálogo dos vícios do Regime havia à venda baralhos de alta qualidade, mas eram fortemente taxados com imposto alfandegários, e não estavam autorizados a ser fabricados no País. Nas principais Cidades, e junto das portarias dos edifícios Públicos e Privados com muitos empregados, havia pessoas que se “dedicavam” à venda dos chamados artigos de contrabando, actividade que para muita gente se rodeava de uma certa suspeição, tendo em conta a forma empenhada como o Estado controlava a vida no País, e nos sacos que escondiam as ofertas lá estavam quase sempre os baralhos de cartas fabricados no Estrangeiro. Em casa de meus Avós e meus Pais, sempre se passaram longos serões com jogos ou paciências com cartas, e quando fui a primeira vez a Sevilha não pude deixar de comprar um bom baralho para trazer de presente ao meu Avô, e quando pude, repeti essa compra sempre no mesmo local, na Calle Sierpes,
embora a partir dos anos da livre circulação de mercadorias o meu local de culto transferiu-se de corpo e alma para a célebre Pastelaria que lhe fica mesmo ao lado.
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