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sexta-feira, julho 29, 2011

Do Fundo dos Fundos

A minha neta M, na inocência dos seus dois anos, rabiscou alegremente com lápis de côr esta boneca de papel que logo veio oferecer ao Avô, como recompensa das horas que tem agora passado nas férias ao meu colo, vibrando com as animações didáticas do Poisson Rouge no ecrã do meu computador; fê-lo sem compreender nada do que se passa à nossa volta e que lhe quer descolorir o futuro.

Neste momento da História, em que se fazem tantos balanços das razões porque Portugal não beneficiou convenientemente dos Fundos Comunitários para se desenvolver, e que todos os dias ouvimos os mesmos presunçosos Professores Doutoures dissertar sobre as mais variadas soluções milagrosas, todas contraditórias, para despertar o tecido económico produtivo, quero recordar factos que vivi pessoalmente e que mostram como a perfídia e o cinismo são os verdadeiros protagonistas destas Histórias Infantis do nosso actual quotidiano, cuja dimensão é possível extrapolar a partir daqui através de uma reflexão sobre dois episódios, dos quais cada um pode tirar as suas próprias conclusões. Trabalhei numa Grande Empresa durante cerca de trinta anos, que chegou a ter cerca de seis mil Empregados, e no tempo em que Cavaco Silva foi Ministro e depois PM, a UE entregou como se sabe ao Governo para este gerir, centenas e centenas de milhões de contos para formação profissional, tendo-se montado verdadeiras teias de sofisticados esquemas para tirar partido desses fundos, presumida e exclusivamente destinados a ajudar a elevar as qualificações dos trabalhadores Portugueses e portanto aumentar a produtividade do País, não interessando já trazer a lume as gigantescas fraudes tipo BPN envolvidas nos vários Quadros de Apoio, pois a “Justiça” encarregou-se de cuidar da prescrição desses crimes. Apenas posso contar a parte do que vivi, fazendo notar que não tive acesso aos montantes das verbas que a Empresa onde trabalhei recebeu para formação profissional, pois fui escolhido para durante alguns anos fazer parte do conjunto de Agentes Formadores que visavam alargar a todos os Colaboradores uma visão global e detalhada de todas as vertentes da sua actividade. Comecei por frequentar cursos para Formação avançada de Monitores, para depois poder desenhar e aplicar metodologias que tornassem atractiva e consequente a transmissão dos meus próprios conhecimentos, e durante todos esses anos tive que repartir essas accões com as minhas responsabilidades profissionais correntes, sem que tivesse recebido qualquer compensação monetária para além das ajudas de custo quando me deslocava, de comboio, a Coimbra ou ao Porto. Os Fundos Europeus custeavam todas as despesas, que incluiam mesmo os salários de todos os Formandos e Formadores durante os dias em que estavam envolvidos nas acções de formação, que duravam em média uma semana, e que foi sucessivamente abrangendo toda a pirâmide hierárquica da Empresa, o que se tornou num duplo e apetitoso benefício para os seus balanços, aproveitado até ao seu limite. Importa dizer que considero globalmente positivo os resultados que conseguimos na Empresa, pois existiam avaliações dos conhecimentos adquiridos nas acções de formação, abrangendo formandos e formadores, salvaguardando-se os resultados da avaliação profissional anual para efeitos de progressão na carreira profissional, que existia desde 1977 numa metodologia negociada entre a Administração da Empresa e a Comissão de Trabalhadores, e com respeito pela curva de Gauss. No País, alguns sectores de actividade houve em que rápidamente se produziram excelentes resultados no desenvolvimento empresarial, mas os constrangimentos internos da competividade pela competitividade impediram o alargar de vistas para o mercado externo. Nos anos 90 do Século XX o Sistema Bancário Português estava a par do pequeno pelotão da vanguarda tecnológica  Europeia, e mesmo à frente nalguns sectores do negócio, mas como o crescimento estava como hoje continua a estar na boca dos Teóricos como uma obrigação, e como solução milagrosa para poderem “criar valor”, o crescimento do negócio fazia-se pela disputa do aumento da taxa de bancarização, pelo que a “espionagem” aos produtos dos concorrentes era muito mais premente do que a venda de saber (know how) aos concorrentes e para o Estrangeiro. É claro que o Mundo deu muitas voltas, e pelos vistos nem todos os que tinham essa visão estão agora de boa saúde financeira, mas por outras razões, como é o caso de uma Instituição Financeira Espanhola com sede em Madrid, que tive a oportunidade de visitar para apreciar e emitir parecer sobre a qualidade de um produto (software) para análise de riscos de crédito, e que não “passou” nos testes de stress recentemente realizados pelo BCE. Pelo meio de tudo isto, eu próprio também recebi formação, e numa delas bastante abrangente realizada no Instituto de Formação Bancária, tendo como tema principal “Direito Bancário”, houve um dia dedicado a aprender como se fazia o Orçamento do Estado, sendo Monitor o Acessor do Dr. Cavaco Silva que no Ministério das Finanças era responsável por essa matéria, e de cujo nome não me “lembro”. Estávamos no tempo do Escudo, e da capacidade dos Estados intervirem na política de estabelecimento da paridade das suas moedas relativamente às outras, e depois de uma intervenção inicial sobre a influência de cada variável nos resultados das contas do País, estive o resto do dia a aprender quais as opções que permitiriam atingir o resultado pretendido, simulando-se passo a passo as consequências de cada opção sobre todas as restantes variáveis, até que quase ao findar da tarde, o “Orçamento” em base real estava concluído, coerente e satisfatóriamente explicado. Refira-se que tinham sido simuladas todas consequências para o resultado final fixado pelo Governo, advindas de variáveis como as taxas de juro directoras fixadas então pelo Banco de Portugal, a inflação, os custos do petróleo, a Relação do Escudo com o Dólar, os aumentos salariais, etc. Eis senão quando, um colega meu, aliás com um feitiosinho especial, Licenciado em economia, que tinha deixado o Douto Acessor do Governo preencher um enorme quadro, então ainda não interactivo..., com toda aquela brilhante fórmula, lhe chama a atenção para que havia um erro numa das colunas, pois ele havia efectuado uma soma de milhões onde devia ter feito uma subtracção! O Homem, ficou da côr do giz, sentou-se a olhar para o quadro, do qual já todos tínhamos em nosso poder um cópia manuscrita em papel A4, e ao fim de algum tempo, pediu desculpa, recolheu apressado “as provas do engano”, disse que não tinha condições para corrigir o quadro de imediato , mas que ia refazer as contas durante a noite, e ia falar com a Direcção do Instituto para que no dia seguinte fosse possível encontrar um espaço no programa para ele nos apresentar e explicar a versão correcta.  Todos ficámos a saber, e vale a pena relembrar agora, o que “era” na prática a sabedoria Macroeconómica!

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