E

sábado, maio 23, 2015

Dia 23 de Maio, Dia de Festa

Procuram-se ambientes em extinção para percorrer o olhar com uma Lente Verde, perdemos-nos nos trilhos da Serra de Vaqueiros mal sinalizados, e como pedir uma informação aos seus habitantes é receber como resposta “não tem que enganar, vai em frente e…” acabamos por errar, pisar o travão por causa de rectângulos luminosos imaginários, e de repente aparece um conjunto de habitações aparentemente deixadas para trás pelos ventos da revolução nas mentalidades evolucionistas. 
 




Encurtada a distância passo a passo, confirmado o abandono colectivo, para compreender a razão do conjunto, é correr a apostar na aproximação aos planos interiores, e quando logo se entra na primeira divisão de uma casa abandonada, e mesmo que já sem portas, onde a permissão para penetrar não precisa de cartaz, e muito menos está formalmente proibida, é como pisar o “plateau” da realização de um filme de Fellini interrompido por falta de fundos do produtor para o continuar com os velhos cenários mas sem o mobiliário da época. Faltam portanto milhões de fotogramas desde que a última porta terá sido deliberadamente fechada, e faltam todas as explicações para que isso tenha acontecido. O que é certo é constatar um abandono semi organizado, ou como acontece nas sociedades modernas pseudo-abastadas, foi o deixar para trás tudo o que foi considerado menos importante num lugar em que as empresas de transportes não actuavam por ausência de sentido, ou de mercado, como agora se diz.







Quem tem a presunção de guardar à vista um significativo conhecimento de parte do sobresolo de um enorme Povoado do Calcolítico hoje “ocupado” por umas poucas dezenas de pequenas propriedades com diversificadas culturas espalhadas por um recticulado de proprietários bem delimitados, não pode deixar de encontrar neste “Monte” de Silveiras significativos paralelismos com os requisitos gregários há cinco milénios de distância. É evidente que a minha interpretação subjectiva constituída a partir de testemunhos materiais que foram aflorando à superfície de Porto Torrão, indiciando as zonas de aglutinação habitacional e as de exploração agrícola e pecuária, não passa de isso mesmo, um olhar íntimo para um vasto “território” e decalcar à sorte para a Serra de Vaqueiros os mesmos raciocínios sobre a organização dos espaços para explorar os recursos e elaborar metodologias de sobrevivência, até porque o tempo da ocupação total de Porto Torrão não deve ter sido muito distante da idade de Portugal como País soberano. Porém, sobre Porto Torrão, verdadeiramente não sabemos nada; quantos eram os seus habitantes permanentes, que factores adversos humanos enfrentaram, como e em quantas cabanas viviam, quais eram os seus costumes alimentares, que abrangência de espécies compreendia a sua actividade agrícola e pecuária. Para “piorar as coisas”, descobriu-se no último decénio que o Povoado “assenta” sobre uma ou mais estruturas complexas de fossos, cuja função persiste incompreendida.
Em Silveiras, o “território” é bem mais explícito porque até muito diferente na irregularidade e aridez dos afloramentos de xisto, pois o urbanismo está aglutinado e as parcelas cultivadas estão bem delimitadas por muros de pedra solta que não apenas demarcavam a propriedade mas também a protegiam das traquinices dos animais domesticados mas saltitantes. As paredes partilhadas pelas casas contíguas “podem“ corresponder às exigências de alguma segurança que por exemplo as muralhas e os torriões da muralha fortificada do Castelo Calcolítico de Santa Justa, ali tão perto, ofereceram aos seus habitantes. Se alguém não “plantou” por aqui alguns factores despistantes, ainda podemos avaliar nos escolhos as escolhas espirituosas do consumo alcoólico dos seus habitantes, e talvez que com um pouco de sorte e empenho, venhamos a conhecer dados sobre a sua ocupação e organização familiares.
Sem respostas, ainda, para as interrogações que o primeiro contacto que um ambiente destes provocam, começo pelos aspectos descritivos mais marcantes, a começar pela “planta” retirada do Google Earth, da qual parti para a minha própria imagem “legendada” com um princípio por confirmar de que existiriam 4 Famílias residentes, a partir dos número de fornos ainda descortináveis no local, sempre exteriores embora “agarrados” às habitações.
 
 
 
 


O abandono patrimonial, é sempre um prejuízo para a sociedade, seja porque o território se despovoa e a ilusão do emprego florescente no litoral só é cada vez mais evidente na desilusão com os resultados, seja porque a história não se refaz sem papel e lápis por onde fiquem as explicações para os sucessos e as frustrações, seja porque estes patrimónios jamais se reconstruirão, mesmo nas versões mais lúdicas, e no fundo muito abstractas, da moda turístico-rural.
Apesar de tudo, Silveiras é ponto de passagem de um dos muitos percursos pedestres que a Câmara de Alcoutim foi implementando em várias áreas do Concelho e do ponto de vista museológico no pior sentido, o local está a fazer parte dos promontórios com páginas dedicadas apenas a “lugares de culto”; será um bom engano prever que jamais alguém fará por Silveira mais do que assinalar a sua toponímia no Google.
Em Silveiras, apenas não encontrámos, um poço ou cisterna, se é que existiram, até porque o tempo e a duração da bateria fotográfica não permitiram, mas a convicção final mais forte com que ficamos é de um dos ninhos onde nidificou uma arquitectura que chamaremos de implantação paisagista, e em tempo explicaremos porquê.
As mais próximas das próximas sequências terão a sua legendagem tão fiel quanto for possível, até regressar à desconstrução dos detalhes e aprofundar o potencial imaginário desta parcela de paisagem da Serra que de um lado cheira a Alentejo quando o vento está norte e do outro tem a profundidade de horizonte que o oceano nos atalha. Se devemos considerar a Serra de Vaqueiros como um vasto espaço com marcada identidade, as imagens que dali retiraremos serão todas iguais mas todas bem diferentes, e a sua escolha inevitável resultará apenas de um processo de (des)gosto pessoal. 

Este primeiro esboço de texto
sobre Silveiras, escrito no Português que aprendi,
 fica hoje aqui como mais uma modesta prenda de anos para uma das minhas Netas.
 



Sem comentários:

Enviar um comentário