SIENA, que muitos dizem ser o "sonho gótico".
A Luz de cada Conjunto urbano, é sempre única, mas nas grandes Cidades em que a modernidade foi invadindo a antiguidade, os conjuntos edificados já não se conformam de forma pacífica com a naturalidade dos reflexos solares, mutantes hora a hora. Já nas Cidades em que os Centros Históricos se conservam numa ampla escala muito homogéneos, tal como nos burgos medievais, e em particular Siena, a electricidade nocturna agora necessária e sempre presente, embora com exigências crescentes de poupança, desafiou-nos para um envolvimento de aproximação ao ideal com o que seria a vivência dos ambientes das tochas e das lanternas.
Na Aldeia Ribatejana onde nasceu e cresceu o Avô Paterno dos meus Filhos, a chegada da electricidade às vias públicas foi um acontecimento que ainda acompanhei bem de perto, e que terminou com o uso das lanternas de folha com velas, com candeeiros portáteis em metal iluminados pela queima das mechas embebidas em petróleo, e mais tarde com os gasómetros, quando tínhamos necessidade de percorrer as ruas durante a noite, para prevenir os constrangimentos das irregularidades da terra e das pedras que constituíam os territórios de passagem entre as habitações. Até a camioneta da carreira estacionava de forma a fazer reflectir a luz numa parede branca a fim de facilitar a manipulação das bagagens que então eram sempre transportadas no tejadilho, à chuva e ao sol. Foi um tempo em que as pessoas e as conversas preenchiam as noites nos invernos à volta da braseira , com um candeeiro a petróleo a um canto fingindo que a Luz fazia falta, e que se transmitia de mão em mão ao fim da noite à medida que cada um ia ficando no seu quarto, tal como um facho olímpico, restando nas mesinhas de cabeceira palmatórias com vela para refúgio das necessidades noturnas. E houve até um tempo, mais próximo, em que uma bateria de automóvel ajudava a rever as palavras e as músicas que nos chegavam através de um rádio Grunding cor de marfim, cheio de letras e de números dourados.
Quando numa pequena e muito antiga Cidade conservada, na verdadeira acepção da palavra, há uma estrutura parietal com uma cor esmagadoramente dominante, o conjunto arquitectónico apenas se diferencia pelos detalhes de cada edifício, e cada visitante além de ficar envolto não apenas pelas micropartículas de pigmentos coloridos que flutuam no ar, mas também por um quase imperceptível conjunto de forças que o fixam ao chão e o obrigam a procurar à sua volta todos os sinais que refletem a presença de quem já por ali viveu e construiu aquele território, e quando hoje os teóricos que dissertam sobre as energias que nos cercam, defendem até a ideia da portabilidade da influência energética sobre os objectos que se transmitem de mão em mão, em alguns ambientes mais íntimos, como as praças mais fechadas, alguns minutos de meditação conduzem inequivocamente à nossa integração espacial e à disponibilidade mental para a absorção e compreensão do poder das mensagens que aqueles espaços têm ainda para nos transmitir presencialmente.
Chegar a Siena ao entardecer, e ao olhar o céu,
encontra-se a vitalidade do recorte do conjunto arquitectónico, e à nossa roda acolhem-nos preciosos detalhes nas ruas estreitas articuladas por arcarias de um puro cunho inquestionável.
Nos tempos modernos, a criação da chamada “vida” nocturna de uma Cidade Medieva tem uma componente essencialmente lúdico-comercial e portanto os ruídos das algazarras e os brilhos dos fenómenos de atracção ocular que normalmente a povoam não aconchegam a visão integradora do antigo tecido mural, e por isso não sinto que nos centros históricos de Lisboa ou até de Roma, que são exemplos de ambientes bem distintos encontremos estímulos para provocar a oportunidade para discutir as histórias virtuais que a imaginação pode construir com a ajuda das imagens circundantes. A grande excepção, talvez porque tenha sido para nós a primeira, foi sentir a força integradora noturna da Piazza de la Signoria em Firenze, onde naquela noite o silêncio era perturbado apenas por um performer e a luz artificial está concebida para se aproximar do que se pode imaginar que tenha sido a resultante das inúmeras tochas que nos Palazzi eram enfiadas nos belíssimos suportes de metal cravados nas paredes de pedra ladeando cada portal.
(Firenze, 2014)
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