Cada instante, é um lugar que nunca se visitou - Mark Strand, New selected Poems
Pelo prazer, e pela mais interior das necessidades em contrariar e vencer a nossa diáspora, mastigámos projectos de sacrifício, procurámos transigências e usando o direito à retribuição do trabalho, acordámos as tansgressões, e suplicámos às asas dos pássaros que nos entregassem nas mãos olhares brilhantes e gargalhadas de alegria, guiados pela estrela que anunciava uma Festa, e embora desordenando os destinos, percorremos numa só curta aventura as rotas dos mercadores que trocavam baús cheios de especiarias, marfins, óleos, pedras preciosas e sedas por relógios de sol.
Os entendidos destas coisas, falam em estilos de viajar, com o que concordamos; nós temos o nosso próprio ritual, que contem, para além da apertada avaliação de custos acondicionados às “épocas baixas”, a recusa de guias falantes e de acompanhantes, pela necessidade de liberdade total na nossa própria opção de gestão e comunhão de um tempo sempre tão curto, a escolha cuidada de um bom abrigo com garantia prévia de que lá estará à nossa chegada nas condições previstas, e tudo o resto, em especial os itinerários estudados a tempo, vai afinal resultando de um discurso matinal sempre pronto a encontrar novas métricas em conformidade com os desígnios incontroláveis do destino, até porque este está cada vez mais “imprevisível”, e até adverso. Também é avisado viajar com as expectativas fechadas a sete chaves, para que à chegada, se escolham à vontade todas as guloseimas com que se temperam as frases que abrem as caixas das surpresas, guardiãs dos brilhos e de temperaturas a que não estamos habituados, e cheias com os cristais de H2O que sempre nos ajudam a desembaciar as lentes dos óculos, e ainda ensinam na busca de gestos tão naturais quanto convenientes em não dar nas vistas para manter longe de todas as gotas de humidade as lentes das objectivas prontas a sorrir ao menor sobressalto estimulante.
Tentar uma narrativa para descrever uma viajem desejávelmente programada no minuto, prisioneira embora dos ditâmes do alheio, é uma espécie de nova viagem aventura, pois desde que se acorda em ambientes só comparáveis consigo mesmos, o olhar está em permanente compita com os registos da atenção, e começado o sono já tardio, não há margem para o interromper e escrever sobre os sonhos; os ciclos repetem-se, e agora há imagens para as quais o texto não encontra a melhor memória, diáfanas recordações que ficaram sem imagens, e a lembrança é confirmada pelos conselhos de Edgar Allan Poe, “Those who dream by day are cognizant of many things which escape those who dream only by night” . Por outro lado, tentar descrever sentimentos, sensações e emoções sem os confrontar com uma descrição rigorosa dos espaços, quando estes já foram objecto de todas as formas de nudez num número que só não tende para o infinito porque este parece ser inatingível enquanto o Mundo continuar acordado, é o mesmo que escolher a Ilusão para Padrinho de qualquer cerimónia importante. Voltar pois a S. Agostinho e às páginas do livro do Mundo sem fim, reler as sombras que nunca se viram, saborear a originalidade dos círculos de luz que fazem com que a arte da natureza se misture com a geometria da ansiedade, e compreender e fazer todos os outros aceitar que só vale a pena viver em comunidade de afectos. Traduzir para realidade a alegoria da gestão dos tempos, pré-influenciada pelo que os metereologistas previam, um exercício de síntese dos minutos esmagados pelos ecos das conversas de fantasmas deveras distintos, dos olhares cruzados de fora para dentro, dos rumores sobre a universalidade dos sentimentos, dos asteriscos e acentos tónicos sobre as frases de outras línguas, das horas em que o silêncio não compareceu à chamada e, finalmente, da conformação com o inevitável regresso aos passados.
Tentar uma narrativa para descrever uma viajem desejávelmente programada no minuto, prisioneira embora dos ditâmes do alheio, é uma espécie de nova viagem aventura, pois desde que se acorda em ambientes só comparáveis consigo mesmos, o olhar está em permanente compita com os registos da atenção, e começado o sono já tardio, não há margem para o interromper e escrever sobre os sonhos; os ciclos repetem-se, e agora há imagens para as quais o texto não encontra a melhor memória, diáfanas recordações que ficaram sem imagens, e a lembrança é confirmada pelos conselhos de Edgar Allan Poe, “Those who dream by day are cognizant of many things which escape those who dream only by night” . Por outro lado, tentar descrever sentimentos, sensações e emoções sem os confrontar com uma descrição rigorosa dos espaços, quando estes já foram objecto de todas as formas de nudez num número que só não tende para o infinito porque este parece ser inatingível enquanto o Mundo continuar acordado, é o mesmo que escolher a Ilusão para Padrinho de qualquer cerimónia importante. Voltar pois a S. Agostinho e às páginas do livro do Mundo sem fim, reler as sombras que nunca se viram, saborear a originalidade dos círculos de luz que fazem com que a arte da natureza se misture com a geometria da ansiedade, e compreender e fazer todos os outros aceitar que só vale a pena viver em comunidade de afectos. Traduzir para realidade a alegoria da gestão dos tempos, pré-influenciada pelo que os metereologistas previam, um exercício de síntese dos minutos esmagados pelos ecos das conversas de fantasmas deveras distintos, dos olhares cruzados de fora para dentro, dos rumores sobre a universalidade dos sentimentos, dos asteriscos e acentos tónicos sobre as frases de outras línguas, das horas em que o silêncio não compareceu à chamada e, finalmente, da conformação com o inevitável regresso aos passados.
PARTE I
Dois dos melhores e mais inesquecíveis abraços deste ano da serpente, que promete uma desvalorização dos custos interiores da saudade. Uns curtos minutos de desejar tudo poder dizer, excepto, - temos de ir correndo para o avião mas, de aqui a dois dias estamos de volta para ficar mais um bocadinho!
Mercoledi, 20, Febbraio
A imprevisibilidade da melhor opção, deixou mesmo para que só no momento após a chegada, acariciados logo pelas memórias de Marco Polo, olhado o céu cinzento e conversando com o vento confirmássemos a escolha do trajecto mais racional até ao primeiro e verdadeiro abraço com Venecia, numa decisão que partindo de várias teóricas alternativas, se resolveu por um percurso marítimo úsando a Línea Arancio até à paragem Rialto no Grande Canal, e aí logo dada a partida para uma primeira meia maratona, enquanto o dia caminhava para o esgotamento, e se elevava o tom das sirenes dos barcos. Uma viagem, ainda abençoada pelo Sol, com os movimentos rítmicos da carreira dos barcos que levam passageiros até ao infinito, e que durou tanto como a ligação entre Géneve e Venecia, mas quase tão dispendiosa como o bilhete de avião!
Logo que pousadas as bagagens rolantes, e saboreadas bolas de sabão prateadas que se evaporavam por entre as cortinas das janelas do quarto debruçado sobre o canal de S.Salvatore, corremos procurando chegar à hora combinada para o aprazado encontro com São Marcos, que nos tinha prometido acompanhar num caffé expresso no Florian, por entre já o negrume da noite.
Pela primeira vez pernoitámos em Venecia, e portanto, na fuga ao esbater do sol para Ocidente sobre o casario de brilhos diurnos, embora então já um pouco baços, vivemos o espaço do êxtase nas escalas onde os cinzentos se esmagam contra as côres vivas dos pigmentos reais, que vimos serem misturados pacientemente com claras de ovo, em caves húmidas, há luz de velas feitas de cera de abelhas negras. Foram as horas então do B&W tentar invadir a cena, pois as sombras são ao mesmo tempo, actores mascarados de negro e pontos brancos que auxiliam a memória aos declamantes para contrariar os improvisos, e como os automatismos deixaram de poder responder às nossas exigências místicas, fizemos a procura dos naipes encartando Valetes com Duques, e Damas com Ases, apoiados por um mini-tripé invisível. Por mais que me tenha esforçado, não consegui no entanto imaginar-me levitado até à Idade Média, e ser conduzido por um codega, umas mais importantes profissões medievas de Venecia, pois eram contratados para com uma lanterna acessa servirem de guia pelos ruas e becos soturnos mostrando o caminho e assegurando protecção contra os ladrões e, dizia-se também contra os demónios! Perguntámos pelos Ladrões, e disseram-nos que hoje em dia andam mascarados de Demónios, e ganham a vida a fazer comícios durante o dia!
Giovedi, 21, Febbraio
Emergindo da abundância medieva que confundia espiritualidade com despotismo, as ruas, becos, pontes e canais de todas as tabelas, estão abertas à invasão dos sorrisos de misturas aromáticas e aos ecos de frases curtas que a cada letra transformam as remadas em recuo nas leis da gravidade, por entre os espasmos bilaterais dei Bricoli onde todos os barcos se amarram, por vezes decorados com faixas bem coloridas.
O dia corre com o aperto dos raios de luz, feito por nuvens especiais que nos borrifavam com folgosos flocos de neve, faz com que os gritos dos artifícios percam as ilusões impressas nas folhas dos mapas de trajectos indirectos, e conduzam as escolhas de cada passo, contrariando as frases já feitas por poetas mascarados, e vendidas a cada esquina dentro de bolhas de vidro dourado.
A energia harmónica libertada pelo instável equilíbrio de cada pedaço de chão, confunde-se com a respiração dos peixes que não se vêm, mas que se acredite viverem por ali perto, não só entre as páginas das lendas dos arlequins, mas também entre as raizes das árvores da floresta sub-aquática que seguram as ilhas de um imprevisível final de um sonho acordado.
Encontrámos a cada esquina a obstinação pela arte do conhecimento, virada para o exterior ou para nós mesmos, quando de olhos abertos a estética dos sentidos nos faz escrever mais um sonho que reornamenta agora a nossa identidade, e se revela num desconhecido estádio de saúde mental.
As torres esguias e encimadas com estrelas de protesto, procuram livrar-se da profundidade dos sentimentos contraditórios que a qualquer minuto se descarregam em cada margem, como que assustados pelos raios agrestes de uma trovoada seca, e a multidão de peregrinos esgrime o direito de prioridade no acesso a cada degrau das pontes nas viagens de ida e volta ao porto seguro do ponto de partida, depois de investigada a coerência das lendas sobre palazzos de ilusões difusas, resguardados com pesadas portas, feitas de tábuas de folha de abeto, com monogramas gravados pela hidratação permanente, e que só se abrem depois de cantadas senhas de treze letras, e mesmo assim através da arte de revirar chaves de vidro colorido em forma de trevo com cinco folhas.
Os símbolismos do Carnaval veneziano, estão por todo o lado permanentemente nos trajes e nas maschere, embora estas tenham papel mais activo no nosso imaginário sobre os figurantes de longas capas que percorrem os cenários dos teatros cinquecentesche sapatendo sobre palcos de madeira assentes em estacas tal como acontece com os edifícios lagunares.
De repente, nas montras dos negocios, tal como feiras ambulantes de surpresas, miscelâneas do presente com o passado, com tudo o que não sabemos se ajudará a compreender a imortalidade dos ocupantes invisíveis dei palazzi, desde, sirenes e apitos, cata-ventos, bandeiras, óculos sem lentes, cordas para violinos,livros antigos e ainda por editar, pianos, molduras vazias, lenços, poltronas de veludo, colheres ferrugentas para tirar a água condensada no fundo das Gondole por entre a transpiração da laguna.
Há várias formas de nos sentirmos mesmo em Venecia, com os sinos, as longas arcadas cheias de pombos batizados por S.Marcos, um caffé expresso tomado à pressa no Florian sem a anunciada música ao vivo. mas sempre de grande angular em primeiro punho; olhando para o céu encontrando-o quase sempre espalmado entre duas linhas paralelas de beirais de telhado, ou olhando em frente o que conduz a duas possíveis alternativas: uma a das aberturas entre os sinuosos planos apertados das ruelas e dos canais, a outra a dos planos abertos à beira da laguna que só apetece traduzir “colando” lado a lado todos os fragmentos do horizonte visível.
Embora na forma matemática, a Primavera não tenha ainda chegado ali, os almofarizes que engoliram as alamedas de folhas de cipreste, ressuscitaram cheios de amores imperfeitos, e as raízes destes foram tomando conta dos sabores alheios, até que um príncipe libertino entornando claras batidas em castelos de vidro multicolorido, as livrou das amarras dos nevoeiros.
Não sei se as montras, cheias de antichità no mesmo registo do estilo veneziano que encontràmos no Hotel onde pernoitámos, ainda contribuem para os recheios insondáveis dei Pallazzi, ou se estes ainda se consideram completamente cheios com o produto do comércio dos Mercadores da Idade Média, felizmente a maioria deles salvo das investidas dos invasores prussianos. Mas, nos cenários de que Luchino Visconti se serviu para produzir uma das suas mais famosas películas, Death in Venice, são as multidões os novos protagonistas de uma anárquica incursão pela filmologia, e agora Visconti não poderia contar com a sobrevivência do vírus da pandemia asiática para despejar as praças, as ruas e a beira dos canais.
Também, percebemos que por ali se continua a criar e a mostrar criadoras e criadores de todos os tons, que usufruem da actividade permanente dos romantismos, e que regeitam os seres de olhos assaz rasgados que tudo fazem mas nada sabem como fazer.
Nas horas trocadas, impostas pelos horários das refeições dos fusos, conciliámos os apelos dos apetites pecaminosos com as regras do rigôr monetarista, absorvendo por baixo de chapéus de aba larga, o sumo das laranjas sicilianas, através de palhinhas de metal oxidado, que tilintavam em copos de cristal com gaivotas douradas estampadas, e com a ajuda de pincéis de pelo de marta descodificámos os versos das artes vitrais.
Ao fim dia, revistas as anotações mentais, e “esquecidos da existência da rede”, folheámos mesmo as folhas de papel do jornal diário La República para saber se a velocidade de translação teria sido alterada por alguma enganosa Agência de previsões catastróficas, e ficámos mais vez com um mau sabor de boca, pois sobre Portugal como País de destino cultural nada, nem o Cristiano ou Mourinho tinham sequer honra de uma linha, mas na revista havia uma referência à actualidade da candidatura às eleições, de uma lista liderada por um cómico com direito a incluir nos novos movimentos de contestação uns cómicos (?) Portugueses.
Felizmente que as horas que passámos acordados em Venecia, não ficaram perturbadas por se terem misturado com uma importante campanha eleitoral, a não ser nalguns enquadramentos fotográficos, e cujos resultados conhecidos já depois do regresso a Lisboa retira-nos mais uma pouco da esperança em vermos contrariadas as condições de instabilidade político e financeira Europeias em que estamos mergulhados.
Quase no fim deste breve e simples ensaio, fica uma curta referência a uma experiência tardia na avaliação da visão de Goethe no seu Italienische Reise, a que só há pouco tempo acedi em versão Portuguesa, versus a minha percepção em dois dos horizontes que ambos talvez tenhamos apreciado, embora com uns séculos de permeio, e a diferença decisiva entre os distantes patamares em que sou obrigado a colocar cada um de nós, e também de quem esteve de seguida em Venecia 16 ou só 3 dias.
Quase no fim deste breve e simples ensaio, fica uma curta referência a uma experiência tardia na avaliação da visão de Goethe no seu Italienische Reise, a que só há pouco tempo acedi em versão Portuguesa, versus a minha percepção em dois dos horizontes que ambos talvez tenhamos apreciado, embora com uns séculos de permeio, e a diferença decisiva entre os distantes patamares em que sou obrigado a colocar cada um de nós, e também de quem esteve de seguida em Venecia 16 ou só 3 dias.
Do que fiquei a saber lendo Goethe nas páginas dedicadas a Venecia, é que o que ele mais nos quis transmitir da sua estadia foi em grande parte o tempo dedicado às suas idas a cerimónias religiosas, ao teatro, à ópera e às “cantatas”, e quanto ao resto, as reflexões comparadas ficaram difíceis de estabelecer entre ambos pois os objectos estão tão distantes pelas evoluções ocorridas em aspectos formais e materiais durante mais de dois séculos, que só num meio segundo inspirado me atreveria a falar de uma delas. Também naturalmente nos diferenciam, ou aproximam outros aspectos, como a facilidade do contacto antecipado com o desconhecido, com foi o meu acesso a um livro-guia cujo detalhe pude escolher, enquanto ele entre vários guias terá preferido o Historisch-Kristische Nachrichten von Italien.
Aconteceram outras distinções, como as amplas visões de imagens, até aéreas, com que a memória e a web me impressionaram, e o mapa que ele só comprou ao segundo dia, e talvez ainda o handicap linguístico, embora Goethe, para além dos seus conhecimentos de latim, deixasse entender ter tido um guia que decerto lhe traduziu alguns dos diversi Italiani que foi escutando, per Tedesco.
Na contra-capa desta versão da obra, é referido que Goethe se orienta pela distância integradora subindo em Venecia a todas as torres, e até por mais do que uma vez por dia para observar o efeito das marés sobre a laguna. Para aferir da sistematização do seu método de viagem, fui logo procurar se em Firenze o escritor teria subido ao varandim no cimo da cúpula do Duomo, ou mesmo à sua torre próxima, mas o que encontrei foi a referência a “… atravessei a cidade à pressa, passei pela catedral, vi o Batistério,…” numa breve passagem rumo a Perugia. De qualquer forma, a este propósito, e mesmo contra o pensamento de Pablo Neruda , “si non escalas la montaña jamás podras disfrutar el paisage”, nunca achei que do ponto de vista da relação entre o tempo consumido a subir e descer centenas de degraus e o panorama a disfrutar em Firenze, valesse a pena deixar com que essa opção prejudicasse o deambular pelas ruas na leitura de cada porta, átrio, esquina, montra, ponte, candeeiro, etc, já que quase todas as paredes do centro histórico de Firenze têm sempre algo para nos surpreender, e a melhor visão superior da cidade será sempre para mim na margem esquerda do Arno e difícil de escolher entre a da Piazza Miguel Ângelo, a do átrio da Igreja de San Miniato al Monte ou ainda nas muralhas da Forteza de Belvedere, pese embora serem todas tão “próximas” e oferecendo apenas uma abertura panorâmica de cento e oitenta graus, ou menos.
Na contra-capa desta versão da obra, é referido que Goethe se orienta pela distância integradora subindo em Venecia a todas as torres, e até por mais do que uma vez por dia para observar o efeito das marés sobre a laguna. Para aferir da sistematização do seu método de viagem, fui logo procurar se em Firenze o escritor teria subido ao varandim no cimo da cúpula do Duomo, ou mesmo à sua torre próxima, mas o que encontrei foi a referência a “… atravessei a cidade à pressa, passei pela catedral, vi o Batistério,…” numa breve passagem rumo a Perugia. De qualquer forma, a este propósito, e mesmo contra o pensamento de Pablo Neruda , “si non escalas la montaña jamás podras disfrutar el paisage”, nunca achei que do ponto de vista da relação entre o tempo consumido a subir e descer centenas de degraus e o panorama a disfrutar em Firenze, valesse a pena deixar com que essa opção prejudicasse o deambular pelas ruas na leitura de cada porta, átrio, esquina, montra, ponte, candeeiro, etc, já que quase todas as paredes do centro histórico de Firenze têm sempre algo para nos surpreender, e a melhor visão superior da cidade será sempre para mim na margem esquerda do Arno e difícil de escolher entre a da Piazza Miguel Ângelo, a do átrio da Igreja de San Miniato al Monte ou ainda nas muralhas da Forteza de Belvedere, pese embora serem todas tão “próximas” e oferecendo apenas uma abertura panorâmica de cento e oitenta graus, ou menos.
Numa Cidade interiormente menos pujante, e a que se dediquem algumas poucas horas de um dia, como por exemplo em Luca, já acho que valeu a pena subir umas dezenas de degraus para encontrar um pequeno jardim no cimo de uma torre, com uma oliveira ao centro, e apreciar os vários noventa graus panorâmicos que as sucessivas janelas gradeadas abertas sobre o casario circundante iam permitindo descobrir.
Por isto, talvez, ou pelo conjunto de todas estas sensações e escolhas subimos à Campanile da Piazza de S.Marco, até porque esta tem um cómodo elevador até ao topo, mas não voltei como Goethe na hora da maré oposta. Foram talvez os minutos mais caros de toda a nossa vida, mas mesmo assim bem empregues; não foi possível apreciar a beleza de três quartos da vista da varanda corrida, porque o vento gelado era fortíssimo; na parte da varanda quadrangular menos vulnerável, amontoavam-se os visitantes que depressa se dirigiam para a porta do ascensor aquecido que os reconduzia rápidamente ao nível do mar. Escutámos a hora do silêncio dos sinos e procurámos o registo possível do panorama ofererecido sem capacidade para usar os inúmeros binóculos que aproximavam a cidade dos olhos longíquos dos mais curiosos, e por motivos de obras não pudemos tentar avaliar a dimensão dos velhos degraus, mas imaginámos como seria penosa e demorada a subida ao cimo da Campanile antes da modernice elevatória.
O rigôr atmosférico condicionou pois as caminhadas pelas ruas, e a escolha dei Musei não se ajustou apenas aos bilhetes multi-visita, mas ao tempo aceitavel para podermos enfrentar as temperaturas negativas exteriores em contraste com as “fornalhas” dos recintos fechados, por mais simples que fossem, em mudanças ambientais que embaciavam as objectivas e nos pseudo-desfocaram a chávena do Florian.
Quer Goethe quer nós, visitámos sem dúvida duas Cidades “diferentes”, e mais diversa ainda da pujante cidade de mercadores medievais, que sem esforço pudemos mentalmente reconstruir a partir de muitas pinturas dos mestres pintores da época, no Museo Correr. Cada século, tem as suas modas, as suas côres, e as montras das costuras de preços astronómicos e a publicidade estática contibuem de forma decisiva para acentuar o dinamismo próprio destes tempos, mas mesmo que gostos não se contestem, as côres medieivais expressas em telas e nas pinturas de muitas das Igrejas Italianas recuperadas no seu brilho inicial, lembra-nos como a acentuação das diferenças de classe pelas fazendas dos trajes sempre fizeram parte do tecido cromossomático humano. A descoberta do vivo policromismo medieval tem a sua expressão mais comumente divulgada no encontro que o tecto da Capela Sistina proporciona, depois de recentemente liberta de todas as suas oxidações, mas o mesmo aconteceu com todos os pacientes trabalhos de conservação nas Igrejas do cinquecento, como nesta imagem de Santa Maria dei Fiori em Firenze, pois nos Musei di S. Marco só as turbas de olhos em bico se atravem a recolher imagens, fingindo serem cegos, porque surdos às línguas ocidentais são de certeza, e assim a prova das côres abertas do medievo fica mesmo feita embora noutra latitude.
Venerdi, 22 Febbraio
Goethe levou de Venecia, além de “carga que chegue”, “a imagem rica, estranha e única desta cidade”, e nós sem espaço nem riqueza para “carga” tivemos mesmo assim ainda o previlégio de poder retornar no bolso com cartões de memória cheios de imagens digitais, mau grado não protegidas com vacinas antibacterianas e de duração desconhecida, onde as minhas objectivas foram escrevendo, 100110101…, traços, linhas e pontos, acordando que nesta altura da vida as inspirações para novos riscos também podem ter clandestinamente viajado comigo, sem rastos imediatamente visíveis, entre os rituais de uma alegre despedida daquela parte meio irreal da Europa. Não aproveitámos a possibilidade de dar um pulo a Venecia para eu fazer fotografia, e não só porque dizem que se trata da Cidade mais fotografada do Mundo, e eu não sou fotógrafo, mas sim porque queríamos antes de mais, Respirá-la!.
Goethe, contratou em Napoli um tal Kniep para lhe fazer esboços dos lugares que visitou, e eu consegui desta vez que a minha criadora do belo perdesse uns segundos de descanso aos pés e às mãos a fazer-me uma ilustração para um destes meus desabafos. E eu, também fiz uns riscos, lembrando-me então de um Grande Amigo de sempre a quem em tempos distantes ofereci o olhar possível, sobre uma vivenda fronteira à casa dos Sogros dele onde passàmos uns dias de férias no Algarve.
Venecia, tinha sido até agora, uma visão de poucas horas, em dois já longínquos e merecidos intervalos de dias de emigração sobrevivente no seio di La Cittá del Bello, em precursos de ida e volta à stazzione di Santa Luccia com uma única e séria Paragem, no Palazzo Grassi, em cujo interior, de uma vez os nossos olhos se perderam na fantástica história e obra de Pablo Picasso e noutra ocasião numa visão alargada sobre os Gregos; desta passagem, quase igualmente tão “curta”, também os Palazzi Musei não deixaram de afirmar sobre nós o seu magnetismo, temperando os afectos bilateriais entre nós e a atração pelos rectângulos imaginários que noutros tempos criavam fotogramas. Duas palavras para confessar que depois da visita ao Palazzo Ducal, concluímos dever ser o conjunto mais extraordinário de obras de arte aplicada que temos visto ao vivo.
Chegado aqui pode parecer pertinente a alguém, a interrogação: Viagio per Italia, perquééé??
A resposta, na actualidade, é simples: porque, vivemos no mundo dos paradoxos, em que o custo de uma viagem aérea de baixo custo é menor do que se gasta de Lisboa ao Algarve, porque nos podemos alimentar diferente, provando outros sabores e cheirando outros perfumes, não pagando muito mais por isso do que no nosso dia a dia, porque a língua e os costumes das gentes não são um obstáculo antes pelo contrário, e voltando ao princípio, porque no começo é a decisão, e aí o mais importante, os actores principais, são sempre il Musei, e na esmagadora maioria deles, l’ingresso è gratuito per i cittadini dell’Unione Europea d’età superiore ai 65!
No passado mais distante do ano 73, il primo passagio, já venceu a atracção pelos Monumentos e os contrapontos museológicos depositários da genuinidade do Império dos primeiros séculos da Cristandade, embora estivesse protegidoa por inúmeras barreiras, a maior de todas a da distância, com a demorada ultrapassagem das barreiras fronteiriças, as longas estradas nacionais, as diferentes divisas e a articulação mental das respectivas paridades; era um outro tempo, que demonstra as representações teatrais a que assistimos, não apenas na chamada revolução tecnológica. Desse tempo, queremos ter “tempo” para escavar nas recordações e fazê-las animar, pois que passados mais de quarenta anos sobre il primo passagio, é preciso fazer perceber as alterações socioeconómicas que o foram permitindo e que agora alguns “Demónios” querem dificultar, quem sabe se para sempre. Como estamos, ainda, na fase do Euro, parece-me sugestivo mostrar as sobras de um ambiente sempre tão diferente do nosso em que não havia a mínima correspondência palpável entre um centavo e uma lira e nestas sobreviviam ainda os “bilhetes” dos tempos do Reino ou do período do segundo grande conflito armado Mundial, com a marca da língua Inglesa no coração da economia de guerra, para acudir às necessidades primárias das tropas aliadas que em 1945 libertaram a Itália da ocupação Alemã, Nazi.
Para um balanço final Veneziano, a minha memória foi revisitar um livro que há anos atrás comprei em Firenze na livraria Feltrineli num cantinho dedicado à língua Portuguesa - Comer, Orar, Amar - no qual a sua autora, Elizabeth Gilbert, em discurso directo confessava que “Veneza é bela, mas da mesma forma que um filme de Bergman é belo; podemos admirá-lo, mas não queremos viver dentro dele”.
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