Cada instante, é um lugar que nunca se visitou - Mark Strand, New selected Poems
PARTE II
Imitando as aves, numa sessentena de minutos transposemos escuras montanhas, vales e rios, atravessámos nuvens rarefeitas com somas algébricas de pretos e de brancos, e ainda lembrámos Fernando Pessoa nos discuros que deixámos para trás, embora resistindo à tentação do addormento.
La neve pose una tovaglia silenziosa su tutto.
Non si sente se non ciò che accade dentro casa.
Mi avvolgo in una coperta e non penso neppure a pensare.
Sento un piacere d’animale e vagamente penso,
e m’addormento senza minor utilità
di tutte le azioni del mondo.
Em contraste com as escalas centígradas com que nos ensinaram a medir a satisfação da epiderme, a dureza do ar que fomos então autorizados a respirar, transportava a visão de ponteiros de higrómetros secos pela velhice de cada lago, mas activos pelo sopro de juventude de cada cisne.
Lundi, 25, Février, Jour de fète
Le Jardim Botanique, e os seus coloridos abafados pela neve, que conservava nas estufas as propostas policromáticas capazes de suavizar alguns dos rigores invernais, antecedeu a hora da partida e das dolorosas despedidas, reanimando a publicação da primeira página do calendário no verdadeiro dia da Festa:
Vai alta no céu a lua da Primavera
Penso em ti e dentro de mim estou completo.
Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.
Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,
E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.
Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores,
Isso será uma alegria e uma verdade para mim.
Alberto Caeiro, Eu só penso no sol
Fronteira à Sede das ONU em Géneve, está implantada esta escultura semi abstracta sobre a Guerra dos Balcãs, com que abri estas lembranças, e que afinal é representativa da solução impossível no convívio a que chegou a Humanidade. Mesmo que os canhões não lancem projecteis mortíferos, cada vez é preciso lançar mais longe e mais depressa palavras duras contra todas as faces do despotismo, e não podem existir nós que travem o precurso das Lutas modernas que se aproximam.
Para, José Vasconcelos, “Un viaje, como un libro, se comienza com inquietud, y se tremina com melancolía”, mas para nós cada viagem, além do seu contexto de prazeres próprios e com respostas para preguntas totalitárias, encerra-se com tudo menos melancolia, e, esta viagem teve razões acrescidas para a inevitabilidade da sua eterna e doce registada lembrança.
Porque tal como Roma e Pavia não se construiram num dia, a reformulação do meu tempo, tem as razões da razão para que o texto anterior e as imagens que o povoam ocupem, durante algum pouco tempo, toda a porta de entrada no espaço deste lugar, e a sua renovação diária pela actualidade do pensamento voltará depois de reacertados os eixos das rodas dentadas dos mecanismos do meu relógio de vento. Deixo-vos entregues à beleza de Paganini, e aos desígnios dos automatismos que nos permitiram estar ausentes sem ninguém ter dado por isso, e terem preenchido por antecipação, as nossas meias noites.
PARTE II
Imitando as aves, numa sessentena de minutos transposemos escuras montanhas, vales e rios, atravessámos nuvens rarefeitas com somas algébricas de pretos e de brancos, e ainda lembrámos Fernando Pessoa nos discuros que deixámos para trás, embora resistindo à tentação do addormento.
La neve pose una tovaglia silenziosa su tutto.
Non si sente se non ciò che accade dentro casa.
Mi avvolgo in una coperta e non penso neppure a pensare.
Sento un piacere d’animale e vagamente penso,
e m’addormento senza minor utilità
di tutte le azioni del mondo.
Em contraste com as escalas centígradas com que nos ensinaram a medir a satisfação da epiderme, a dureza do ar que fomos então autorizados a respirar, transportava a visão de ponteiros de higrómetros secos pela velhice de cada lago, mas activos pelo sopro de juventude de cada cisne.
Mergulhámos na transparência noturna de uma entidade que não nos era completamente estranha, mas onde nunca sequer sonhámos voltar, e portanto com quem não soubemos ir aprendendo a falar; soubemos apenas pegar em folhas de papel de côres esbranquiçadas, e rabiscar fragmentos de recta e de curvas com compassos e tira-linhas, com os lápis dos mais elaborados arco-íris marcados com cruzes brancas sobre fundo vermelho, mas, faltavam-nos os endereços dos principais ninhos da razão. Mas, a pouco e pouco descobrem-se os porquês da sua emersão gazosa, como que surgida de um sanctuário subterrâneo onde se conservam imagens tácteis das Deusas que não podem estar expostas à luz do sol sob pena de se transformarem em simples pontos de interrogação. Chegados ao mercado dos chocolates de leite e dos relógios de sol, realinhado o discurso por um novo dicionário, ficàmos logo sem perceber como se constroiem, afinal, relógios sem sol para lhes conduzir os ponteiros.
Samedi, 23, Février,
1973, Notre premiére voiture, FIAT 128, FA 89 49, la premiére voiaje, et la rápide visite au Lac Lemam.
Dos tempos em que os minibar não estavam disponíveis, ou acessíveis para o comum dos mortais, foi mesmo bom recordar que os yogurtes comprados nos supermercados, ficam bem no parapeito da janela do quarto, onde nem qualquer réstea de sol fez perigar a sua conservação à temperatura aconselhada.
Um regresso inesperado e forçado, que tudo tinha a ver com a Pirâmide dos nossos corações, e em que os riscos dos fotogramas binários não tinham direito a protagonismos mas apenas a direito de existir como prova de vida. Fomos, afinal, tão só para ver gargalhadas e ouvir sorrisos sem ajuda do Skipe.
Ficou-me agora para descobrir, no silêncio deste meu canto onde trabalho, como é que se pode viver em paz com os Homens, quando uma neta com quatro anos foi ao encontro com o Avô levando consigo o último dos rebuçados que este Velho lhe tinha dado há quase dois meses, na última despedida da distante separação geográfica em que nos situamos, e Ela conservou para só desembrulhar no momento deste reencontro de mão dada, ensinado-me o caminho até ao mercado de Carouge, e depois até à montra dos gulosos para escolhermos a melhor combinação para aquecer o resto do corpo que envolvia os nossos corações.
Um regresso inesperado e forçado, que tudo tinha a ver com a Pirâmide dos nossos corações, e em que os riscos dos fotogramas binários não tinham direito a protagonismos mas apenas a direito de existir como prova de vida. Fomos, afinal, tão só para ver gargalhadas e ouvir sorrisos sem ajuda do Skipe.
Ficou-me agora para descobrir, no silêncio deste meu canto onde trabalho, como é que se pode viver em paz com os Homens, quando uma neta com quatro anos foi ao encontro com o Avô levando consigo o último dos rebuçados que este Velho lhe tinha dado há quase dois meses, na última despedida da distante separação geográfica em que nos situamos, e Ela conservou para só desembrulhar no momento deste reencontro de mão dada, ensinado-me o caminho até ao mercado de Carouge, e depois até à montra dos gulosos para escolhermos a melhor combinação para aquecer o resto do corpo que envolvia os nossos corações.
Dimanche, 24, fèvrier, Jour d’áutres fétes
As montanhas circundantes teimosamente indefinidas pela neblina, o Lago e os lagos, as árvores, a neve, o silêncio das gotas geladas, as cordas metálicas dos relógios de Sol, um aniversário imprevisto de palavras que nunca existiram, uma prova de vida num Museu que, para nosso espanto, até tinha para nos mostrar uma primeira edição de, OS LUSÍADAS!
Lundi, 25, Février, Jour de fète
Todas as festas, são apenas sequências de muitos segundos do mesmo naipe, uns que nós conseguirmos transformar em raios de luz da primavera, outros que o vento frio mascarou de Sol com relevos prateados, após um grande nevão noturno.
Le Jardim Botanique, e os seus coloridos abafados pela neve, que conservava nas estufas as propostas policromáticas capazes de suavizar alguns dos rigores invernais, antecedeu a hora da partida e das dolorosas despedidas, reanimando a publicação da primeira página do calendário no verdadeiro dia da Festa:
Vai alta no céu a lua da Primavera
Penso em ti e dentro de mim estou completo.
Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.
Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,
E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.
Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores,
Isso será uma alegria e uma verdade para mim.
Alberto Caeiro, Eu só penso no sol
Fronteira à Sede das ONU em Géneve, está implantada esta escultura semi abstracta sobre a Guerra dos Balcãs, com que abri estas lembranças, e que afinal é representativa da solução impossível no convívio a que chegou a Humanidade. Mesmo que os canhões não lancem projecteis mortíferos, cada vez é preciso lançar mais longe e mais depressa palavras duras contra todas as faces do despotismo, e não podem existir nós que travem o precurso das Lutas modernas que se aproximam.
Para, José Vasconcelos, “Un viaje, como un libro, se comienza com inquietud, y se tremina com melancolía”, mas para nós cada viagem, além do seu contexto de prazeres próprios e com respostas para preguntas totalitárias, encerra-se com tudo menos melancolia, e, esta viagem teve razões acrescidas para a inevitabilidade da sua eterna e doce registada lembrança.
Porque tal como Roma e Pavia não se construiram num dia, a reformulação do meu tempo, tem as razões da razão para que o texto anterior e as imagens que o povoam ocupem, durante algum pouco tempo, toda a porta de entrada no espaço deste lugar, e a sua renovação diária pela actualidade do pensamento voltará depois de reacertados os eixos das rodas dentadas dos mecanismos do meu relógio de vento. Deixo-vos entregues à beleza de Paganini, e aos desígnios dos automatismos que nos permitiram estar ausentes sem ninguém ter dado por isso, e terem preenchido por antecipação, as nossas meias noites.
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