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sexta-feira, fevereiro 24, 2012

TAVIRA - Um discurso museológico sobre os objectos arqueológicos



Abertas hoje ao Mundo, finalmente, as portas de um novo Museu, que era suposto ser diferente mesmo de quase todos os outros, e que afinal, quem o visita fica sem conhecer a história principal do seu nascimento e o sentido que faz como um vector de consolidação entre gerações e espaços territoriais milenares e multiculturais.
Numa espécie de milagre levitacional foram transpostas para várias quotas de nível superiores, uma parte do muito daquilo que anos atrás jazia prensado no subsolo daquele edifício e em parte dos conglomerados que no seu tardoz se estratificavam até ao nível da Travessa da Fonte. Mas não aconteceu nenhum milagre, este Museu, custou lágrimas suor e trabalho a muita gente e do ponto de vista mesquinho dos trocos, sem os mais mal pagos, ou até os voluntários, não haveria ali nada para expor.
Percebe-se até mal, a elevada sede de protagonismo mural, pois o edifício já lá estava, e qualquer equipa de construtores de recheios faria sempre diferente, mas similar, e não teriam tido trabalho se a arqueologia não determinasse a oportunidade para dotar Tavira com um Museu que qualquer Cidade Europeia gostaria de acolher, mesmo nestes tempos confusos em que a cultura como sede de conhecimento e de investimento vê serem incompreensívelmente reduzidos os seus recursos financeiros.
Para que naquele paralelipípedo imaginário fosse possível criar um ambiente onde pudessem ser expostas estas colecções, muitas decisões de enorme importância foram tomadas. Talvez não importe muito valorizar os acontecimentos ocorridos entre o início do Século XX e a década de 80, mas nada do que ali se quer transmitir terá sentido sem que se explique com detalhe como é que a Arqueologia proporcionou este resultado. É necessário repensar a exposição, para que não só se possa compreender como se avaliaram realmente todas as antigas construções e desconstruções habitacionais, se estabeleceu a identidade de cada pedaço de cerâmica com os contextos populacionais vigentes até à selagem com betão dos pavimentos onde assentam os pilares que sustentam aquele edifício, mas também ter em conta a sua actualização.
É inaceitável a ideia de que um qualquer Museu, é “uma sala de visitas da Cidade”, pois essa é o Salão Nobre da Câmara Municipal, já o seu objecto é ajudar a criar a necessidade de cultura, sendo certo também que uma exposição de arqueologia não é apenas uma mostra de obras de arte, mas não é certamente um depósito de objectos do quotidiano de uma dada cultura, que surgiram a pouco e pouco do nada, porque quem foi escavando e intrepretando o espaço envolvente o proporcionou, e por isso, o discurso museológico sobre os objectos arqueológicos ficou refém de uma concepção unilateral, que não está ajustada ao papel da Cidade Cultural Moderna.
Quando, o que será cada vez mais raro em Portugal, se pode dispôr de uma oportunidade para musealizar um espaço de forma condicionada, nunca é fácil resolver o conflito de ter se eleger uma esposição em detrimento de outra, e por isso neste Museu o Islamismo “expulsou” o Turdetanismo. Mas o que a história não conseguirá apagar, é que no subsolo do edifício do Núcleo Islâmico do Museu Municipal de Tavira, cuja função anterior à de Museu foi a de uma Delegação do ex-BNU (Banco Nacional Ultramarino) situou-se um cais da enseada urbana do Rio hoje chamado de Gilão, e na sua beira acostavam barcos de pesca que descarregavam especialmente estrujão, e a dois passos, situava-se um complexo industrial e comercial que transformava o pescado e o embalava para exportação em ânforas de cerâmica, produzidas no mesmo local.





Os pesos da rede turdetana, in sitú

Durante as escavações no “BNU”, encontraram-se entre os restos osteológicos dos esturjões e centenas de fragmentos cerâmicos, uma rede de pesca Turdetana, bem como os respectivos pesos de rede em barro cozido, a dez metros de distância de um forno onde eram cozidas as ânforas, e não fora a incúria da CMT em cobrir o edifício a tempo e horas, ter-se-ia completada a descoberta do resto da estrutura industrial, que ficou destruída por um desabamento de terras ocasionado pelas chuvas do Inverno de 2003.  



Os Arqueólogos, que mais não são do que entidades geradoras de desenvolvimento, e para quem a musealização de relatos e sinais de acontecimentos é sempre necessáriamente uma obra incompleta, irão decerto continuar a trabalhar nos espaços que a malha urbana permitir, entre o Rio e o Cêrro de Santa Maria, e por isso um Museu Arqueológico pujante, com a acrescida responsabilidade de um “Museu de Sítio”, deve estar sempre apto para “crescer”, pois ele, como entidade aglutinadora, viverá também dos contributos dos trabalhos arqueológicos do futuro.
Seja como seja, ou como venha a ser, foi muito bom poder viver para ter também escavado nas fundações deste Museu, para agora preencher e datar estas simples linhas de pensamento, e cumprir a promessa de publicar algumas imagens que justificam o meu desencanto face ao resultado expositivo final.

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