E

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Artes de Pesca no Sotavento Algarvio

Os pescadores de Santa Luzia, para além da especificidade das artes de pesca para a captura do Polvo, o ícone da Freguesia, espécie agora tão ameaçada pelo excesso de capturas, utilizam também um outro tipo de armadilha para a apanha de peixe miúdo. Trata-se da Murjona, uma espécie de “donut” gigante com um dos orifícios centrais tapado.

A importância desta arte para a economia local, está bem patente no relevo que lhe está dado à entrada de Tavira, com uma escultura monumental no centro de uma rotunda na Estrada Nacional 125.

Contou-me um velho pescador, que há quarenta anos atrás havia pescadores afortunados que iam de Santa Luzia para os lados da Fuzeta passar longas temporadas pescando só com murjonas, e a rentabilidade era tão grande que esses homens tornaram-se nos mais ricos pescadores da vila e sempre que voltavam de uma campanha anual conseguiam comprar uma casa nova.


O diâmetro das murjonas, que oscila entre 1,25 m e 0,60 m, depende do tamanho do barco que as transporta para o mar, embora seja também uma arte complementar para os pescadores de polvo, pois lançadas as teias de alcatruzes deixam também sempre no fundo do mar pelo menos uma ou duas murjonas a fim de apanhar algum peixe para o pescador e a sua família comerem, como se vê na imagem seguinte de um “barco da pesca ao polvo” acabado de regressar do mar, e onde duas murjonas descansam agora no convés depois de cumprida a sua função “acessória”.

Quando o estado do mar permite e não há crise de espécies, o pescador, esprende diáriamente as teias, recolhe as capturas e volta a largar a teia no fundo do mar. A teia constituída exclusivamente com murjonas, pode ter ligadas até cerca de 20 artes, que levam no fundo como isco, mexilhão ou berbigão partido, e o local onde se lança também fica assinalado com uma boia bandeira, tal como acontece na pesca do polvo. O isco mais comum é o mexilhão para a apanha da mucharra, ferreira, sargo e safio, e o berbigão, agora extinto no Sotavento do Algarve destinava-se a atrair o besugo e as bicas. O safio, é um peixe muito apreciado no prato pelos pescadores, mas como é um predador, entra nas murjonas e também nos covos de rede para comer o peixe que lá está dentro, e portanto quando se encontram polvos sem um ou parte de um tentáculo, é certo que foi consequência do apetite voraz dos safios. Muitas outras espécies são atraídas sómente pela curiosidade que os reflexos das murjonas despertam, como é o caso do robalo, dos salmonetes e dos rascaços que se alimentam de uma espécie de alga, a chamada penilha, que progressivamente se vai desenvolvendo agarrada ao arame.

 Como os peixes se movimentam na horizontal, ou próximo dela, e só adoptam uma posição quase vertical para comer, isso faz com que entrem na murjona pelo orifício superior atraídos pelo isco que está no fundo e embora consigam no limite tomar uma trajectória totalmente vertical que lhes permitiria libertarem-se da armadilha, as pontas das extremidades de metal flexíveis mas muito aguçadas que facilitaram a entrada do peixe na armadilha, são muito agressivas para as escamas dos peixes o que impede a sua saída e a libertação do engodo para onde foram atraídos, como bem se observa nesta metade de uma murjona fragmentada.

No fundo das murjonas, existe uma tampa que permanece atada no mar e é fácilmente removível para a retirada do peixe, pela forma prática como os seus atilhos foram concebidos, peixe que pode rondar numa boa safra entre os quatro e os cinco quilos.


Em Santa Luzia, há ainda dois Irmãos, antigos pescadores, grandes especialistas no fabrico das murjonas, e com um deles, o Senhor António José Salvé Rainha, passei algum tempo observando os segredos do seu fabrico.

Após terem sido feitas em tempos mais recuados a partir de arame de ferro, são agora tecidas a partir de fios de aço inoxidável retirados pacientemente de cabos de aço, que começam por ser desfiados, e constituem a matéria prima para ser tecida cada uma das voltas em caracol e suas ligações entrecuzadas, que dão corpo à estrutura da murjona.


A construção, começa pela boca, com o diâmetro adequado consoante o tipo de peixe a capturar, com o apoio de um molde em cortiça onde são espetadas as pontas aguçadas, que ficam viradas para o interior e mais tarde. como já disse dificultarão que o peixe se escape.



Nos tempos difíceis que a pesca artesanal atravessa no Algarve, as murjonas já não têm a procura de outros tempos, e até já se desmancham as maiores em mau estado, aproveitando os filamentos em aço inoxidável para com eles construir outras mais pequenas. Mas há também uma nova procura de pequenas murjonas, consequente da crise económica, para pequenas capturas na própria Ria Formosa.


Ao fim de algum tempo no fundo do mar, as murjonas necessitam de ser limpas das adiposidades que vão ganhando em especial o chamado caramujo, uma espécie de micro-cracas avermelhadas que se confunde com a flora marinha, e embora lhes confira um complemento decorativo agradável pelo menos para o meu gosto, provoca uma progressiva opacidade da superfície da rede tornando-se prejudicial para a atracção dos peixes mais pretendidos. Sempre que as murjonas passam demasiado tempo dentro de água, é preciso devolver-lhes o brilho inicial, requerendo-se uma manutenção em terra, efectuada com um instrumento, feito de um punhado de arame dobrado ao meio e com corda enrolada formando uma pega, a que os pescadores chamam raspa.







3 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo! Está muito completo e informativo.

    ResponderEliminar
  2. I am a sculptor Klaus U. Hilsbecher from germany. I made 11 pieces to work of art. See www.hilsbecher.de The Murjonas are exhibited now in Venice, Italy www.berengo.com

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. I apologize for just now thank you for your Venetian suggestion, and regret having not been possible to my woman Carmo Saúde and me enjoying your exposure. One of my daughters emigrated to Geneva, his birthday is February 25, and this year the schedules of easyjet have changed over the past year and could not be reconciled in our traveling party and the cultural offer of Venecia. I would also take the opportunity to suggest you a visit to Tavira, if come any day to Algarve, a beautiful city, where Carmo pursues his artistic activity as a ceramist, and make us a meal of fresh fish. Best regards

      Eliminar