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segunda-feira, janeiro 18, 2016

Lisboa, e a oferta cultural






A Coleção Wentworth-Fitzwilliam conta-se entre as mais prestigiadas coleções particulares da Grã-Bretanha. A exposição que agora se apresenta na Fundação Calouste Gulbenkian constitui uma oportunidade quase inédita de admirar grande parte das suas obras-primas. Reunidas ao longo de cerca de quatrocentos anos, estas obras, algumas delas mundialmente famosas, contribuíram para fazer da Coleção Wentworth-Fitzwilliam aquilo que ela hoje é: uma extraordinária coleção de arte que, simultaneamente, nos faz recuar no tempo e reviver momentos cruciais da história de Inglaterra.
A origem da família remonta ao tempo de Guillherme, o Conquistador, e, durante séculos, esteve indissociavelmente ligada à sua propriedade de Wentworth Woodhouse, no Yorkshire, no norte de Inglaterra. Nesse extenso domínio foi edificada uma residência sumptuosa, cuja construção se iniciou em 1725, com uma fachada de 180 metros de largura, então a mais longa da Europa.
Os dois maiores colecionadores da família ficaram contudo conhecidos, em momentos diferentes, pelo seu profundo envolvimento político. Thomas Wentworth, t.° conde de Strafford (1593-1641), foi uma figura a todos os títulos extraordinária, até pelas opiniões antagónicas que suscitou entre os seus contemporâneos. O seu papel mais relevante desenvolveu-se na Irlanda, onde governou como vice-rei, tornando-se mais tarde, em 1639, conselheiro-mor de Carlos I.
Durante os anos conturbados da Guerra Civil Inglesa e para bem do reino, Wentworth aceitou o seu destino trágico, facto que o monarca viria a lamentar até ao fim dos seus dias.
A proximidade de Wentworth ao universo das artes passou essencialmente pela encomenda de uma série significativa de retratos de membros da família e de figuras ligadas ao poder realizados por Anton van Dyck, pintor da corte do rei Carlos I e indiscutivelmente o seu artista favorito. O pintor, que marcaria de forma decisiva a arte do retrato em Inglaterra, foi autor do retrato de corpo inteiro de Thomas Wentworth, inspirado numa obra célebre de Ticiano, bem como do retrato dos seus três filhos, onde surge representado William, futuro 2." conde de Strafford, obras que merecem destaque nesta exposição.
O 2.° conde teve, por seu lado, o mérito de identificar quer as figuras dos retratos que havia herdado do seu pai, quer as daqueles que ele próprio parece ter encomendado, e entre os quais se destacam as do rei Carlos II e da rainha D. Catarina de Bragança, filha de D. João IV, rei de Portugal. As inscrições acrescentadas durante a sua vida à grande maioria dessas representações, um esboço de inventário da colecção, identificam detalhadamente os modelos, mesmo quando a sua identidade, tratando-se na sua maioria de figuras da família real, dificilmente pudesse vir a ser esquecida.
O segundo grande momento da coleção deveu-se a Charles Watson-Wentworth (1730-1782), 2.° marquês de Rockingham, que, encorajado pelo seu pai, Thomas Watson-Wentworth (1693-1723), 1.° marquês de Rockingham, acabaria por se tornar um ilustre coleccionador de escultura antiga. Por duas vezes primeiro-ministro whig (1765-1766 e 1782), líder da Câmara dos Lordes, Rockingham teve como grande mérito o apoio à causa dos colonos, tendo, nesse sentido, dado os primeiros passos para pôr fim ao envolvimento britânico na Guerra da Independência Americana. Os retratos onde surge representado, quer pintados por Sir Joshua Reynolds, quer esculpidos por Joseph Nollekens, que aqui se apresenta, dão a dimensão do homem ímpar que foi.
Enquanto colecionador, Rockingham ficou sobretudo conhecido como o mecenas de George Stubbs (1724-1806), o mais notável pintor de cavalos do seu tempo. O entusiasmo que a obra do artista lhe mereceu teve origem na sua imensa paixão pelas corridas de cavalos e por todos os aspetos a elas associados. O resultado desta «aliança» foi uma sequência de pinturas de valor superlativo, de escala monumental, de que é exemplo o famoso Whistlejacket (The National Gallery, Londres). A oportunidade de podermos admirar em Lisboa algumas destas obras constitui, assim, um privilégio raro, já que as suas composições se encontram apenas conservadas em países da atual ou da antiga Commonwealth Britânica.
Ao longo do século XIX a coleção continuou a ser aumentada e os seus proprietários nunca deixaram de dar provas da estima que lhe devotaram. Esse cuidado ficou demonstrado no ano de 1870, com a realização de A Catalogue of the Pictures at Wentworth Woodhouse as at present arranged [«Catálogo das Pinturas em Wentworth Woodhouse tal como se encontram agora dispostas»], composto por 258 ilustrações pintadas à mão das obras então conservadas na residência da família Fitzwilliam, volume também presente nesta exposição. A atual guardiã da coleção continua a mantê-la viva graças a aquisições ponderadas, pri-vilegiando sobretudo mestres antigos, à semelhança do que acontece na coleção de pintura reunida em vida por Calouste Sarkis Gulbenkian, na qual merecem também destaque o retrato e a paisagem.







 

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