Depois de muitos anos de namoro, e após a experiência de Siena e a conclusão de que o meu coração havia ficado aprovado na prova de esforço da Torre Mangia, já não era possível adiar para a eternidade a subida à Campanile; afinal, eram apenas mais cerca de uma dezena de degraus do que na subida de uma das vésperas, 414 precisos, e avisadamente referidos na entrada,
e como sendo “apenas” uma vista superior de Firenze, fui sempre desvalorizando-a em favôr dos recheios de arte conservados nos Musei e onde se consome a disponibilidade para se entender a arte maior e, poder memorizá-la da frente para trás e voltar ao princípio do tempo.
A arquitectura interior da Campanile é deveras harmoniosa em toda a sua estrutura, tem uma escadaria espaçosa, em blocos talhados em pedra permitindo a passagem “franca” a duas pessoas, é iluminada naturalmente, e nos três patamares intermédios a luz rompe profusamente por rasgadas janelas e varandas de alto pé direito com requintados acabamentos, onde os visitantes descansam, filosofam sobre a história do Monumento e da Cidade e podem observar esta de alturas diferentes, com os constrangimentos apenas das redes reticuladas que previnem os debruços imprevidentes e limitam o uso angular da objectiva fotográfica.
Já no cimo, o varandim corrido a toda a volta da Torre é acanhado porque muito solicitado, e ao qual se acede por duas “pequenas” aberturas opostas que partem de um compartimento quadrangular coberto, onde sentado também se pode, pensar, respirar e ganhar coragem para uma despedida e o regresso à cerimónia da partilha da escadaria.
A observação do centro histórico de Firenze a partir de um ponto tão central permite alargar a ideia da estrutura rectilínea já formada a partir da leitura dos mapas-guia, porque embora quando se vai rua a rua formando a pouco e pouco a consciência da irregularidade cércia, esta só fica bem definida quando a visão é mais estruturada ao ser tomada de um ponto tão superior. A descoberta imediata da beleza irregular dos telhados florentinos e a sua vastidão, reclamava por tempo para retalhar aquele horizonte tão vivo de abstracções, embora quando se comparam mais tarde as imagens dos quatro planos de cotas disponíveis, acreditamos que tantos arquitectos e pintores Italianos voltem ali vezes sem fim para inspirar o poder de atracção daquela nuvem imensa carregada de pequenas peças de Lego.
Do ponto de vista da beleza dos enquadramentos mais distantes, naquele dia ligeiramente neblinados, fica-nos o pesar da ausência da figura poderosa dos espelhos do Arno e das suas pontes, que só é possível de ilustrar de forma incisa nos miradouros da outra margem, pelo que, imagens de ficar algum tempo na retina implicam enquadrar os poucos monumentos que se destacam do casario e do pano de fundo atrair o recorte das colinas que enquadram todo o vale Florentino.
As imagens mais ricas influenciadas pelo miradouro dos sonhos, são as que de tão perto ajudam a apreciar melhor os esculpidos detalhes do Duomo, esmagando num único estrelato a cúpula principal e todas as restantes coberturas que a rodeiam, cuja complexidade e equilíbrio não se podia entender na visão tomada de baixo para cima.
Como cada dia só tem dezasseis horas “úteis”, e estas ainda estão condicionadas pelo consequente alcance ou não da construção do ideal, não sei portanto o resultado da avaliação alheia após a disputa com milhares de outras pessoas de cada palmo deste território, mas enquanto tiver memória esta estará por vezes a reviver aquele conjunto arquitectónico e, a visita ao varandim da cúpula do Duomo ficou “prometida” para outra oportunidade!
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