INNOCENCIA
Eramos ambos, ella e eu, vagando
No Tejo, em leve barco; e ella ainda
Mal contava trese annos.
Ia alta a noite, não havia lua,
Mas via-se o céu todo despontado
De brilhantes estrellas.
A viração suave ciciava.
Eramos ambos, ella e eu, vagando
No Tejo, em leve barco; e ella ainda
Mal contava trese annos.
Ia alta a noite, não havia lua,
Mas via-se o céu todo despontado
De brilhantes estrellas.
A viração suave ciciava.
E c’os louros cabellos annellados
Lhe brincava, nos ombros.
Ella, meio deitada, tinha a face
Voltada ao céu, e dir-se-ia espelho
Representando um anjo.
Eu então, a seus pés ajoelhado,
Cantei-lhe ao som d’uma toada branda
Esta canção singela:
Lhe brincava, nos ombros.
Ella, meio deitada, tinha a face
Voltada ao céu, e dir-se-ia espelho
Representando um anjo.
Eu então, a seus pés ajoelhado,
Cantei-lhe ao som d’uma toada branda
Esta canção singela:
Tu és linda como é lindo
O alvorecer da manhã,
Tu és rosa como as rosas
Da primavera louçã.
Tu és pura como é puro
Das estrellas o fulgôr,
Tu és pomba como as pombas
De branca, innocente côr.
Tu és manhã, rosa, pomba,
Tu és estrella sem véu,
Tu és anjo como os anjos,
Que te namoram no céu.
Amanhece-me na vida,
Vem-me n’alma vicejar,
Ó pomba arrualha d’amores,
Meu anjo, vem-me guardar!
E a formosa innocente aos sons da Lyra
Sorrindo adormeceu!... Ai! Quem podéra
Dormir nessa innocencia!
Dorme tu, dorme agora; e se inda um dia
Te há-de o mundo ensinar a velar mágoas
Dorme ahi para sempre!
João de Lemos – Concioneiro, Primeiro volume – Flores e Amores, 1858
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