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sábado, dezembro 27, 2014

FIRENZE, Dark night

 
 
Voltamos à noite de Firenze, à sua Piazza Cívica, centro do poder del Popolo, que não o era apenas no Medievo Republicano, mas também pujante quase no final do século XX, quando os Florentinos se revoltaram perante a anunciada renovação do pavimento da Piazza de la Signoria e impuseram a reversão do processo, reeditando a sua capacidade de firme resistência a toda a espécie de intrusão, viesse ela disfarçada de portadores da “nova” palavra na ponta das espingardas alemãs ou de pretensos renovadores da qualidade de vida urbana. Firenze ainda, das nossas memórias de vários festejos do 25 de Abril, dia da Libertação da Itália do jugo fascista do ditador Mussolini, onde nos desfiles e concertos as bandas de música abrem e fecham as comemorações com Bella Ciao, a canção dos partigiani que travaram na clandestinidade uma luta por vezes mortal contra o ocupante germânico e os seus aliados fascistas.

 
 
 

Não se chega à Piazza de páraquedas, muito menos através daqueles brinquedos que estão na moda com os quais se lançam bolas luminosas para o céu e que produzem depois um traço colorido descendente nas imagens fotográficas “lentas”, a versão minimalista e modernista das catapultas “elásticas” imaginadas por Michelangelo, que tem por ali perto aliás um pequeno Museu com as suas invenções mais susceptíveis de atrair a curiosidade dos mais novos pela reprodução em escala reduzida de muitos dos seus engenhosos modelos, depois acessíveis a algumas bolsas na respectiva loja. Deixa-se o hotel e, a pé como é mister andar em Itália, caminhamos pausadamente pelas ruas semi iluminadas para perceber como cada uma delas pode ter diferentes pontos de atracção depois do sol se ter posto, e como numa atmosfera menos ruidosa do que a diurna se ouvem melhor os diálogos multilíngue com os grupos de gente com que nos vamos cruzando, e não inovando no percurso mais directo para o nosso objectivo final, lá nos encontramos de repente perante um aumento significativo da luz ambiente, porque os projectores municipais fazem ampliar os seus quilowats nos mármores alvos do conjunto monumental do Duomo.

 
 
 



Depois, há um aumento generalizado de penumbra no negativo, pelo contributo dos espaços comerciais que esperam atrair os turistas para as tabuletas com os preços dos artigos expostos nas montras e ajudados pelo romantismo da noite convencê-los de que o preço é alto mas vale a pena levar para sempre um qualquer adereço ou objecto, uma simples armação ocular Armani, que faça perdurar a lembrança daquele encontro com muitas das mesmas pedras começadas a polir pelos cascos dos esguios puros-sangue árabes, ou dos corpulentos lusitanos que movimentavam as carruagens dos Medici e seus primos entre os Pallazi.  

E se numa noite de Outubro, chegados à Piazza della Signoria, não havia bandas de música e descendentes dos partigiani cantando a Bella Ciao, podia-se fixar e apreciar durante horas toda a monumentalidade circundante e cada um dos seus detalhes envoltos no melhor dos artificialismos luminosos, com a calma dos acordes temperados de uma guitarra espanhola que espalhava a sua sonoridade ajudada por tantas paredes pétreas centenárias de sonoro recorte reflector.
 
 
 




A “curta metragem” anterior, resultado líquido e imediato de um somatório de centenas de imagens “fixas”, procura apenas preservar alguns segundos do ambiente que encontrámos, e não substitui portanto o olhar crítico de cada enquadramento logo seguido por um “disparo” ou seja, um click musical que ecoa pela noite, depois de visto e revisto dentro do rectângulo imaginário da resolução digital, mas também, se isso fosse indispensável, constata como caminhamos para tornar cada vez mais difícil individualizar a apreciação e o relato de um pequeno acontecimento; os milhões de registos binários capturados durante o tempo que estas imagens documentam pelas centenas de pessoas que partilhavam o mesmo espaço, desde que aglutinados, poderiam reconstituir tridimensionalmente aquele panorama, e aproximarem-se uns dos outros e entrar para uma difícil disputa do melhor plano com a melhor luz, e então chamaríamos o diabo para escolher a quem entregar o prémio.





 (Clicar sobre a imagem)

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