Um dia destes, a minha
Companheira até à eternidade, confessava ter “ultrapassado” com sucesso a
dúvida sobre os limites da sua criatividade. Disse Ela para uma das Filhas que,
havia criado um novo conjunto de azulejos temáticos quando julgava já não lhe ser
possível estender-se nas deambulações do pincel dentro daquele limitado espaço
de 15x15 cm para representar a forma como o Sol a estimula.
Depois deste acontecimento,
minímamente retratável pelos motivos óbvios da reserva de propriedade, fiquei
perante um novo desafio no confronto com um certo, e confessado, culto da ideia
de que na fotografia tradicional está conceptualmente quase tudo já visto e
revisto, embora aceite que continua a ser possível personalizar cada plano, e
até representar digitalmente o que nos tempos analógicos se produzia, filtrando
a luz, trabalhando nos tanques de revelação e ensaiando papeis e projectores.
Para este auto-teste, e deixando a cor um pouco de parte, escolhi um ambiente
desconhecido, e decidi tentar expressar as escalas dos brancos, cinzentos e
pretos, para o que bastou definir um perfil BW na minha máquina digital.
Para esta experiência, procurei
vários planos na relação visual em campo aberto com o conjunto “edificado” num
notável campo mineiro abandonado, e no final, quando procurei referências para
fazer o balanço dos resultados, encontrei uma corrente estética alternativa ao
BW, que procurando acentuar a degradação quiçá “criminosa” do património
edificado, mantém apenas os contornos cromáticos na forma como todos os vemos.
Entre esta forma de expressão, que decorre das novas ferramentas de acolher as
imagens, que as alteram de forma fácil e “moderna”, e a primeira idade da
fotografia, preferi voltar ao passado e depois de umas horas descobrindo o que ainda resta das MINAS DE SÃO DOMINGOSir vir por aqui apresentar o resultado.
De qualquer forma, para começar, também
me pareceu ilustrável uma forma actual de caracterizar a vida recente dos
Portugueses com a visão negra dos planos próximos de nós e uma janela de
horizonte que teimamos em querer colorir,
que mais não seja para benefício de outras gerações. As imagens retiradas do
que resta na confusão na amplitude dos campos mineiros serão publicadas na
forma pura.
Sobre as Minas, já estará investigado
muito do quase tão pouco que os exploradores deixaram sobre o que ela
representou, mas chama-se sempre a atenção para a insequência 5º/4º/3º Milénios
(?), Sec I (?), Sec. XIX. O mais aprofundado estudo sobre a implantação das
minas da autoria de Jorge Custódio, é muito recente (2013), um extenso trabalho
de análise sobre os bens e os documentos que escaparam à forma vândala como os
Ingleses abandonaram a exploração e que, para quem goste da história da
evolução material e social do País, e do Alentejo profundo em particular, é
credor da maior dedicação temporal que se lhe possa reservar, e está editado
pela SOCIUS, Centro de investigação em Sociologia Económica e das Organizações.
Nesse belo livro, fica bem esclarecido que a ganância capitalista da ocupação territorial
dos Ingleses destruiu, talvez para sempre, a informação obtenível sobre os
períodos pré-romano e romano, diminuindo assim, não só o nosso presente como
também fontes rentáveis do nosso passado.
Da introdução desta obra,
transcrevo um pequeno trecho que considero bem importante no contexto da minha
própria visão sobre o que o Alentejo merece e tem para usufruir de uma visão
integrada das diversas parcelas que nos tempos modernos se considera fazerem
parte do património cultural, tais como, a paisagem cultivada e a ruína, a
gastronomia, a Museologia, a hotelaria, e as actividades de ar livre – “O valor acrescentado pelo novo ciclo
cultural, como a riqueza documental da sua história mineiras dos sec XIX e XX
requerem ser observados à luz do aprofundamento científico , em função dos
diferentes aspectos do património, com a finalidade de criar riqueza cultural,
isto é, um tipo novo de Valor Económico (Carta de Bruxelas, 2009) associado à
herança patrimonial, necessária à continuidade dos vestígios e bens culturais
que garantem, actualmente, a classificação do conjunto das Minas de São
Domingos, como «Conjunto de Interesse Público», consagrado pela lei portuguesa
em 3 de Junho de 2013”.
Sobre a vida dos mineiros e as
condicionantes da organização social nos Povoados, o Campo Arqueológico de
Mértola, editou da autoria de Helena Alves, MINAS DE S. DOMINGOS GÉNESE,
FORMAÇÃO SOCIAL E IDENTIDADE MINEIRA, e
da sua Introdução também transcrevo um excerto de um poema de Álvaro de Campos
que de alguma forma retrata um doa aspectos de uma visita às Minas, isto é, ao
contrário de uma volta por qualquer grande aglomerado de casas abandonadas, os
Ingleses levaram tudo o que puderam, e nem uma simples porca ou um prego se
encontram pelo chão; de “recordação” material, podem trazer-se pedaços de rocha!
Vou para o meio de Lisboa
Não trago nada e não acharei nadaTenho o cansaço antecipado do que não acharei,
E a saudade que sinto não é nem do passado nem do futuro.
A visita desguiada às MINAS DE SÃO DOMINGOS, é um passeio de
liberdade, constituído por erráticas escolhas de percursos por entre tabuletas
presentes e outras fugidas para parte incerta, e para meter o nariz em tudo, e
observar os cantos da paisagem, será preciso bem mais do que uma manhã de árduo
trabalho. A impressão final, é, para além da presença permanente das mais
diversas e brutais marcas poluentes, a de um encontrão com uma das faces do
mais puro capitalismo selvagem que se vai servindo do Planeta para negócios de
“ocasião”, e quem vier atrás que se lixe, pois nem um puxador ficou para fechar
a porta, aliás desnecessário pois também não há porta, e janelas sim mas
abertas e ventosas como nas ameias dos castelos! A confirmação do que está escrito é
evidente, nada do que o tempo ou o uso tivesse fundido ou tornado pó, resta,
até as poucas travessas da notável rede ferroviária que ligou as Minas ao
Pomarão estão esmagadas e soldadas ao minério ferrugento formando uma calçada
que as chuvas por mais ácidas que venham não lhe roubam o lustre.
Do ponto de vista dos conceitos
sociais, basta ficar a saber que a casa atribuída a cada mineiro tinha uma
porta e uma chaminé! Claro que tendo chegado a trabalhar nas Minas perto de
cinco milhares de almas, houve o essencial para os manter “saudáveis” e disponíveis
– Mercado, Hospital, Igreja, dois Cemitérios um para Ingleses e um para os
outros, e claro Força Policial para manter tudo na "ordem".
Não sei se é ou não melhor
preparar a visita, com a leitura de pelo menos a documentação que identifica os
principais polos de ruínas, mas há pelo menos uma característica ambiental que
não encontrei descrita nos guias, os cheiros, e como a côr é cada um de nós que
a mistura com o lado de que está o sol, a viagem entre a Corta e a Achada do
Gamo isolada da influência visual dos complexos industriais abandonados, é uma
caminhada por entre um Baixo Alentejo ausente porque distante, e faz-se por
cima de estratos extraídos do subsolo, esmagados, transformados, inertes e repelentes
a qualquer tentativa de vida vegetal, e, consequentemente também animal, e é
bom lembrar que os exploradores abandonaram o local há mais de quatro décadas. Tendo
permanecido os cheiros, resta-nos então ir andando e apurando o nariz, pois
numa primeira etapa a aridez é inodora, e só na aproximação à Achada do Gamo
começamos a despertar para tentar compreender os odores que parecem batidos com
uma varinha mágica, até que o enxofre aparece, e já não nos larga até ser insuportável,
e assobiando às narinas dá o sinal de partida para o regresso.
O coração da Serra de São
Domingos, é hoje quase uma planície, pois o recheio mais valioso do chapéu de
ferro que a notabilizou, e começou por atrair os pré Romanos, foi esmigalhado e
levado a partir do século XIX em vagões até ao Guadiana, para daí alimentar o
desenvolvimento de outras economias, encarregando-se a natureza de encher as
barragens chamadas das Tapadas grande e pequena, que são hoje uma mais valia
para as condições habitacionais dos Aldeões resistentes.
Cabendo no conceito do “tempo” de
que vou dispondo, palmilhar os campos de
que gosto, para tentar apanhar imagens que permitam a sua divulgação, e empreendida
a disponibilidade da obra de Jorge Custódio, o “Território, História e
Património Mineiro”, e também da investigação da Helena Alves para complementar
o conhecimento, ficam os próximos dias aqui reservados para fazerem parte deste pequeno
"projecto" de ampliação sonora das MINAS DE
SÃO DOMINGOS, sem que possa garantir voltar ainda para contar o que a
segunda visita tenha de nóvel, em especial as imagens dos percursos que obrigam
a fazer a pé mais longos trajectos dentro do parque industrial. As próximas
imagens das MINAS DE SÃO DOMINGOS, não serão legendadas porque fazem parte de uma
unidade espacial desarticulada pelo abandono e procuram individualizar-se
apenas pelas decisões tomadas depois da apreciação visual do conjunto.
A actividade mineira, estendia-se edificada até ao Pomarão através de várias estações de apoio à articulação ferroviária e as duas imagens seguintes respeitam a um desses apoios, também naturalmente já abandonado e destruído.
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