S.Brás3 é um local de culto, cada vez mais um ponto de libertação, onde o nosso envelhecimento se espelha na linguagem entre “ele” e nós, onde por mais que os anos passem, há ainda algo para aprender, é possível falar, sentir os esforços compensados, e mau grado o índice de “devastação” há valores para defender, cada ano mais reduzidos na escala presente, mas nem por isso desprezáveis.
Depois de ter assistido a uma sessão de um Congresso sobre Arqueologia, confidenciava um cientista a um meu especial Amigo cientista/arqueológo que tinha ficado com a certeza de que os arqueólogos têm uma imaginação prodigiosa, pois arriscam formular teses com base em imensas opiniões sem substância de prova material.
As três pedrinhas na imagem, não passam de três calhaus, diria um céptico Amigo meu, que não é apenas isso mas também um anti-defensor da salvaguarda do património, porque no entender dele isso não trás vantagens económicas directas imediatas para as contas públicas!...
Em parte, é verdade, são três calhaus recolhidos “agora” em S.Brás3, mas se percorrermos os campos longe mesmo de cursos de água, só encontraremos os seixos rolados que lá tenham ido parar pela mão humana, e aquele sítio fica distante do Guadiana e é um dos pontos de cota mais elevada nas redondezas, e portanto tudo o que seja pétreo e não seja xisto não foi lá parar pelos acasos da natureza, e com imaginação ou sem ela temos a certeza de que as centenas de seixos rolados que por lá ainda sobrevivem inteiros ou já não, são o resultado das necessidades da vida quotidiana de quem ali habitou há cerca de cinco milénios atrás. Noutras distâncias muito mais próximas do rio, são notórios os locais onde os terraços quaternários depositaram milhões de seixos, uns mais rolados do que outros em conjuntos policromáticos de todos os tipos de rocha.
Na primeira das duas imagens destes seixos rolados, os mais claros estão com a parte da sua superfície mais plana para baixo, o que lhe conferiu muito boa estabilidade para a “pose” e o mais escuro, com a superfície coberta por concreções calcárias para baixo, tem a forma de uma oval achatada. Como não sou arqueólogo não estou sujeito à acusação de dar largas à imaginação para depois de descrever estes três achados de superfície, comentar o seu potencial funcional, com base nos resultados visíveis nas suas superfícies decorrentes da sua manipulação milénios atrás, e também com analogias a utilizações mais conhecidas porque correntes nos hábitos de sobrevivência de agregados populacionais. Em varias ocasiões, assisti a arremessos de calhaus pelos pastores para cima de cabras e ovelhas a fim de as reconduzir aos pastos e percursos “legítimos”, e também ao lançamento de pequenos calhaus através de fisgas no intuito de caçar pássaros, e se no primeiro caso parece desajustada a comparação pré-histórica, pois nãos sabemos se havia rebanhos e muito menos riscos sobre a segurança da sua liberdade domesticada, para além dos possíveis conflitos entre clãs, no segundo julga-se ter sido praticada a utilização de fundas como alternativa a catapultas elásticas, e portanto as “balas de funda” para utilizar uma expressão de analogia funcional mais moderna, pode ser o motivo de encontrarmos em seixos rolados esférico/ovalados provadamente pré-históricos tantas marcas de impactos em toda a superfície, visíveis macroscópicamente. De fora da especulação, fica a garantia de que estes três registos ficaram depositados e quase incólumes durante séculos, e agora também vemos a orientação da sua deposição através do círculo perfeito das concreções calcárias homogéneamente adjacentes em parte da sua superfície. Mas também, se poderemos aventar que os impactos resultaram de uma movimentação lúdica, lá estaremos a tomar o caminho perigoso da subjectividade imaginativa. As descobertas que permitem concluir através de análises químicas a natureza das adjacências, são um bom motivo para deixar estes seixos tal como estão, não os desconcregar, mantendo em aberto todas as hipóteses para que algum micro vestígio faça luz sobre a sua funcionalidade e considerar também que valeu a pena ter andado com o “nariz no chão” durante quase hora e meia para os descortinar entre os torrões, por vezes apenas através de uma curtíssima janela, iluminada pelo contraste entre a terra e as pedras húmidas.
Para além das protuberantes concreções calcárias apresentadas nestes “artefactos”(?), resultantes da sua longa deposição nos estratos ácidos dos fundos das cabanas pré-históricas, há sempre um outro factor distintivo de muitos outros seixos que com eles coabitaram, que é a sua pátine que ou não apresenta mesmo qualquer lustre ou então a superfície ainda luzidia é diminuta. Nas mesmas circunstâncias de deposição muitas das enxós encontradas em S.Brás3, embora apresentem também concreções calcárias em partes variáveis da sua superfície, mantém vivo o brilho do seu polimento, pois a sua utilização articulava-se através dos processos de encabamento, e as mãos humanas presumidamente rudes só as manipulavam para o polimento e o encabamento, o que já não aconteceu com os seixos, baços, e quem sabe se ainda adesivos de algumas micro-partículas de gordura humana.
Os seixos 3 e 2, na imagem desenho, apresentam uma total estabilidade, em especial o maior e em ambos na base plana ainda é visível a “casca” mais escura dos primitivos seixos, e enquanto no maior a superfície não coberta pelo calcário não apresenta visível marcas de impacto legíveis como resultado de procedimentos intencionais, no mais pequeno, há uma pequena zona onde estão concentrados muitos impactos. O seixo 1, ao longo da sua cintura mais horizontal apresenta incontáveis marcas de inúmeros impactos, mais concentrados nos opostos do seu eixo maior, e em mais um do que no outro, enquanto a restante superfície, embora baça, é práticamente lisa.
Estamos portanto em presença de três “artefactos”(?), que achamos terem tido duas distintas utilizações; o seixo mais escuro terá sido um pequeno percutor para trabalhos de “precisão”, pois temos dúvida em que tivesse sido possível a sua utilização contínua numa funda com os impactos linearmente concentrados, e os seixos mais claros com uma patine tão homogénea por permanentes contactos semi-abrasivos, poderão ter sido peças de uma qualquer actividade lúdica que se estendia à sua deslocação numa superfície plana onde consolidaram a sua estável forma actual.
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