Para um encontro com o Cromeleque de Vale Maria do Meio, deixa-se a Estrada Nacional, e percorre-se cerca de 1,5 km através de um caminho em péssimas condições para uma viatura urbana, marginado por cercas de arame farpado, que também rodeiam o Monumento a uma curta distancia dos menires, o que condiciona não só a observação da sua integração na paisagem mas reduz também os “percursos” fotográficos que sempre desejamos experimentar, resultando assim uma limitação nas escolhas da ilustração dos relatos sobre o impacto com que todo o contexto nos atinge.
A partir do momento em que, intrusivamente, passamos a fazer parte da mais minúscula parcela do poliedro atmosférico delimitado por cada um dos monumentos que hoje definem um cromeleque, a dimensão da nossa presença fica prisioneira de um exercício de avaliação na escala dos tempos desconhecidos e que ainda estão submersos e perdidos na imensidão das transformações que conduziram aos horizontes que agora a rotação do nosso olhar vai a pouco e pouco anotando. Saborear o olhar sobre os mistérios do Megalitismo semimudo, reflectir sobre a negação à redescoberta dos horizontes do passado, e participar na luta pela renovação do romance com o brilho do presente, é como empurrar uma porta de cristal e sem necessidade de pedir licença, entrar na segunda dimensão do exercício da medição das perspectivas tridimensionais que praticamos instintivamente. Mas, desde logo as condições particulares do temperamento da luminosidade de cada momento nos apresentam outros desafios para a apreensão e compreensão de todos os elementos em presença, sejam eles pétreos ou vegetais e com maior ou menor visibilidade dimensional e portanto mais ou menos acessíveis, ao mesmo tempo que reconhecemos estar limitados no tempo necessário para poder aspirar a fazer parte do palco onde se podem encenar os discursos sobre o silêncio que determina o direito a avançar pelo presente do passado. Com a nossa presença neste ambiente, não passamos a fazer parte de nenhum cenário do passado, pois este só em parte existe na medida em que algum dos símbolos que nos rodeiam pudesse estar ainda na sua posição original, e como a astro-dependência parece poder fazer parte da razão de ser da geometrias da posição relativa dos menires, a interferência de algum arvoredo na linguagem da presença dos raios solares nos momentos mais determinantes da sua relação com a Terra, acaba por transformar a vontade em racionalizar numa conformação com a realidade que nos é oferecida.
Para além da descrição circunstancial, da explicação física, a confissão individual do impacto de um Monumento milenar nas nossas arritmias contraria qualquer transação redutora de um momento, e a conclusão racional é sempre de que importa formular novas interrogações depois da apreensão de tudo o que já está escrito sobre um arqueo-sítio como este, na certeza de que ficaram sem registo inúmeras confissões de quem reagiu para além do imediatismo. A ruralidade do espaço ocupado pelo monumento decorrente da actividade agrícola circundante, determinou uma construção geo-plástica que exige agora a exploração de visões horizontais em diversos planos que se conformem com a especulação sobre a altura média dos cones de luz condutores dos criadores do recinto, que o desenharam de acordo com a interpretação de uma escala complexa, que não conhecemos, e depois o fruíram como parte das regras do seu quotidiano, regras essas para sempre totalmente inacessíveis.
Da mesma forma que se desconhece parte do contexto megalítico, mais abstracto e arriscado ainda se torna falar sobre a composição dos silêncios no diálogo estabelecido entre os agitadores dos horizontes envolventes dos grandes blocos pétreos, que ganharam as batalhas pela forma de os sustentar erectos até que as desavenças os começaram a inclinar.
Se quem sabe, elaborou uma frase lapidar, “Muitas Antas, pouca gente?”, que encerra a dimensão das dúvidas sobre uma parcela importante do fenómeno Megalítico, o meu contributo especulativo tenta não se afastar dos domínios da racionalidade, obriga-se à parcimónia em ses e porquês, com uma neutralidade no sentido ácido do termo, mas empenhado nos esforços para replicar todos os “absurdos” sensoriais.
É legítimo admitir que algumas das composições geométricas próximas da forma como os astros principais se revelavam, devem ter rugido perante a indiferença dos tempos em que passaram a servir apenas como referência a caçadores e a caminhantes para quem a abstracção da decomposição nas paisagens requeria um auxílio complementar à cartografia das estrelas. Os milénios, patinaram a paisagem, mas o elemento mais sólido e estável, embora inquieto, permaneceu para hoje nos desassossegar perante a sua eventual estrutura fálica, ou as curvas de ventres imaginários embora sem os movimentos naturais ritmados ao compasso dos estímulos do prazer ou da procriação. E os monólitos ficam agora animados com o olhar atento aos bailados interrogativos em seu redor, ou quando as nuvens e o vento lhes alteram os perfis no horizonte visível. Algumas opiniões publicadas, apontam para que os monólitos tenham sido escolhidos, extraídos em bruto, e transportados até locais préviamente escolhidos, e não sofreram afeiçoamentos no sentido formal do termo, e assim as sua virtudes fálicas serão decorrentes do acaso da sua geo-formação ou da sua exposição aos fenómenos simples de uma prolongada erosão que não “ouviu” sequer falar de chuvas ácidas. Também nada nos garante se a atitude dos criadores do cromeleque, aparentemente arquitectural, não pode ter tido também complementarmente um pensamento cromático, de uma vanguarda artística que “sucedeu” ao grafismo pictórico das representações nas paredes das cavernas. Se a partir do neolítico final e do calcolítico, julgo que podemos falar de correntes estéticas evolutivas, como por exemplo os engobes cerâmicos, as decorações incisas, impressas e até os relevos, que são alguns dos novos processos criativos em que nos é possível reconhecer e estudar a estilística, as relações de escala entre os grandes monólitos com decorações estilizadas, de admissível identidade mágico-religiosa, e os símbolos similares até hoje encontrados traduzidos em artefactos compósitos de mobiliários funerários são afinal factores de aproximação entre as inspirações dos seus distantes criadores. Seja qual tenha sido a motivação, a um conjunto de pelo menos uma meia dúzia de menires teria de corresponder sempre um “alinhamento” por mais irregular que ele se viesse a tornar, e por isso na dúvida se eles eram de alguma forma complementados com estruturas de união física, a nossa observação tende para realizar a interpretação geométrica do conjunto que agora se nos apresenta, embora com uma visão limitada ao plano em que nos colocarmos e que nos conduz sempre à “lógica” de um raciocínio sobre alinhamentos, e este do Vale Maria do Meio, na sua actualidade é credor da intervenção arqueológica que o requalificou, aprofundando as condições que nos permitem reagir também ao exercício da compreensão da dimensão dos enormes esforços feitos pela “tanta gente” mobilizada para o transporte dos blocos desde as suas jazidas até ao espaço escolhido para a edificação do conjunto, decerto que com um místico critério.
Até agora, só foi reconhecido que indiscutívelmente nos menires "10 e 18" há gravuras, e mesmo assim de difícil visualização diurna, mas talvez que através de uma paciente e prolongada observação ainda seja possível decifrar algum conteúdo intrínseco de cada elemento indescortinado, quem sabe se o seu “sexo”, pois que aos estudiosos do Megalitismo não agrada resumir estes complexos a residências de atitudes meramente contemplativas, mas sim a conjuntos “bibliotecários” onde interagiram ideias humanas sobre a planificação do Universo transpostas para várias superfícies, como são as relações entre as representações lunares espalmadas sobre os menires abraçando a Terra.
Como a interpretação geométrica do conjunto ao nível do terreno é uma tarefa impossível, a tradução da sua visão através de imagens horizontais não passou de um exercício ao redor do meu prazer pela fotografia, com relevo para o realce dos detalhes, e pela pesquisa de enquadramentos identitários, pelo que é obrigatório recorrer a uma planificação do sítio para explicar todo o sortilégio de “Vale Maria do Meio”, e concluir o registo dos breves instantes ali por nós vividos.
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