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sexta-feira, maio 11, 2012

Património e Interioridade

Um dia destes, uma Técnica Superior de Conservação e Restauro de Pintura de Cavalete sem trabalho, pediu-me para a levar a matar saudades de vários meses que passou numa “missão de restauro” em algumas Igrejas dispersas pelo Concelho de Mértola, o que incluiu visitar uma Senhora então encarregue de manter vivo e visitável o Património Religioso da Igreja que “servia” a Aldeia de S.Bartolomeu da Via Glória. Importa começar pelo princípio, e referir que os trabalhos de restauro realizados, deveram-se em primeiro lugar à sensibilidade e à visão de partilha de Património do Padre que então exercia o magistério em Mértola e que em comunhão com a Câmara desenvolveu um programa de reabilitação de algumas Igrejas e em especial dos seus recheios, e para o qual foi procurado e conseguido apoio mecenático junto de alguns grandes proprietários agrícolas do Concelho, com especial e determinante relevo para o Sr.Luís Champallimaud que custeou a grande maioria das obras.
As Igrejas estão hoje todas fechadas, já que o Pároco actual não parece ter as mesmas preocupações comunitárias do seu antecessor, com todas as consequências negativas que daí adevêm para o turismo e para a vida própria dos locais onde estão implantadas. Lá estive na Via Glória durante meia hora, a assitir à conversa com a Sra M até que apareceu o marido, o Sr G, um casal de enorme simplicidade e amabilidade, permitindo-me ficar a conhecer muitas das condicionantes que tornam tão difícil sobreviver no Alentejo mais profundo, embora a tenacidade daquelas gentes lhes permita continuar a teimar em não abandonar os territórios onde nasceram. Numa frase sobre o Concelho, dizia o Sr G, acabaram primeiro com a Reforma Agrária, e depois com a Agricultura; antes deste abandono, toda a gente semeava, havia gado pastando por todo o lado, e animais domésticos para comer, dar e vender, agora os grandes proprietários vivem em Beja ou Lisboa, têm aqui alguém que lhes toma conta das herdades só destinadas para a caça, mas até comida para as galinhas que gostam de ter nos Montes têm que a comprar pois não estão para semear um alqueire de cereal, e como recebem subsídios de tudo, pois até de um pinhal cujas árvores estão do mesmo tamanho passados 20 anos vão retirando 200€ por hectar, é muito mais cómoda a política do não fazer agricultura, e ainda receber subsídios por isso, e portanto não há criação de nenhum posto de trabalho, e o Concelho perdeu o ano passado mais 16% da sua população. Valeu a pena termos lá ido, e eu voltarei em breve com as minhas objectivas pois os poucos minutos de atenção que lhes dei a isso me vão obrigar.
A este propósito, não resisto a deixar aqui contada uma outra versão da “reinventação fundiária” contada por um Primo meu que pediu a uma Empregada de um Familiar que ia passar o fim de semana à Aldeia do Alentejo de onde era natural que lhe trouxesse um frasco de genuína massa de pimentão. A rapariga respondeu-lhe logo não poder satisfazer o pedido, pois já não há plantação de pimentão, visto que as matanças na Aldeia acabaram!





Podem fazer-se muitas viagens, aproveitar ou desperdiçar o “tempo” e as oportunidades, mas na verdade, quando caminhamos sem regras por entre os raios da luz refletida pelos caminhos mais solitários do Alentejo mais profundo, aprendemos que em cada dia que passa, com o abandono agrícola desaparecem imagens conhecedoras da simplicidade contagiante com que a natureza dotou planícies que já ajudaram a alimentar milhões de pessoas, e para a viver por uns segundos, repito mil vezes - “é preciso lá ir”, de propósito, sem relógio, falando com todas as luzes, escutando todas as sombras, enfrentando o ladrar dos cães que ignoram a nossa cumplicidade com os torrões das nossas origens como espécie. Regressamos, carregando aos ombros os biliões de pixeis que escaparam da seca e dos borrifos da chuva temporã que faz cócegas na entrada das tocas dos coelhos, e com uma responsabilidade acrescida na procura de saber legendar quase todas as imagens com os gestos dos voos das cegonhas, dos papa figos e dos milhafres que regularam os nossos tempos de obturação.



O efeito X, sobre a protecção da propriedade.