Um museu, seja ele ao “ar livre” seja integrado num espaço permanente ou provisório, destina-se sempre a servir o público que o visita, entenda-se a sua postura como imobilista ou não, pois um MUSEU, para além de acolher quem o procurou por qualquer que tenha sido a razão do encontro, também vai à procura de novos públicos, devendo estes serem sempre observados através de um heterogéneo caleidoscópio, que fazendo preguntas para obter respostas permita ficar depois a saber quem são os seus visitantes, de onde vêm, que expectativas os conduziram até cada exposição, e se eles ficaram ou não satisfeitos.
A obrigação de um Museu, não se deve limitar a conservar e valorizar os seus espólios, mas a construir uma rede de comunicação permanente com os seus frequentadores habituais, que permita criar uma comunidade não só interactiva com o Museu mas também entre si mesma, de forma a fortalecer a sua capacidade crítica e daí ampliar o seu universo, que desde logo numa primeira aproximação deve encontrar a comunidade onde está integrado. Na sua identidade, cada Museu tem as suas características diferenciadoras quer pelo património edificado onde ser insere, quer pelas obras expostas, mas um “Museu de ar livre” tem um grau identitário muito mais poderoso, e que lhe é conferido pelo seu posicionamento geoestratégico e pela sua estrutura única, imutável e não sujeita a influências de correntes de expositivismo “filosófico” ou economicista.
Ao ar livre, sem um centro de interpretação é conveniente complementar as visitas com a absorção dos espólios materiais que tornaram os lugares habitáveis, e que estando agora guardados e visíveis ou apenas publicados, são a “sala” seguinte, sem o que a visita não passará de um refeição meramente artificial tomada em pé num hall de entrada.
Neste âmbito de património museológico, nunca ninguém será capaz de avaliar o que verdadeiramente deixou já de aprender ou de apreender no tempo que ficou para trás, e por isso, os balanços devem servir de estímulo colectivo para podermos absorver ainda tudo aquilo que está mesmo ao nosso alcance, projectando novas formas, ou fórmulas, para o conseguir, e conjugando todas as oportunidades que se nos deparem para o efeito, nem que para isso seja necessário percorrer a pé mais umas centenas de metros.
Mas, em qualquer dos casos, a questão central continua a ser o modelo de cultura que é definido a cada passo pelo Poder, o resultado desse enraizamento, e a noção de rentabilidade social que aporta ou não a cada um de nós, e também a consciência de que cada indivíduo tem o direito à sua forma própria de abordar os factos, e portanto, a imposição do contorno das “paisagens” é conflitual com a interpretação subjectiva dos acontecimentos e só os dados materiais certificados são susceptíveis de figurar como de leitura obrigatória.
Revisitar recentemente durante alguns minutos o histórico “Castro do Zambujal”, foi fruto de um “dano colateral”, pois limitou-se a aproveitar uma passagem numa estrada relativamente próxima com apenas uma ida ao cabeço onde foi implantado um “sítio” que se veio a “transformar” num Museu de Arquitectura Arqueológica ao ar livre, e de primeira grandeza, ficando o encontro material com o Museu de Torres Vedras para uma oportuna deslocação intencional que materialize tridimensionalmente a visão oferecida pelas extensas publicações em vários volumes do Arqueólogo Português. O Monumento actual, é constituído pelo que restou de uma ocupação fortificada no período Calcolítico da Estremadura Peninsular, tratando-se do mais imponente conjunto conhecido de estruturas defensivas, capazes de fazer frente à disputa pelos percursores da navegação na costa Atlântica ao produto das notáveis competências metalúrgicas dos seus habitantes, e cuja planta inicial foi severamente degradada pelo aproveitamento dos materiais constituintes das suas muralhas para a construção no local de um vasto conjunto habitacional de vocação agrícola durante o século XVIII.
O estado actual do Monumento é um pouco desolador, visto que as muralhas foram sendo progressivamente tomadas pela vegetação, mantendo-se as mesmas quase inalteradas desde 1996 pela solidez da construção inicial e das metodologias aplicadas na consolidação das estruturas nas sucessivas campanhas arqueológicas que foram clarificando a natureza e a importância da ocupação, sendo de registar que não existe qualquer controvérsia sobre a proposta de modelo arquitectural actualmente em exposição no Museu de Leonel Trindade e amplamente divulgado na Europa, até porque todas as intervenções ocorridas após as escavações em 1944 da responsabilidade do seu “descobridor”, hoje o titular do Museu de Torres Vedras, foram amplamente participadas e custeadas pelo Instituto Arqueológico Alemão de Madrid. A visita ao local, permite sentir a densidade das muralhas que as imagens, ou os desenhos sempre apenas aproximam, e apreciando o panorama circundante ao mesmo tempo que o mapeemos mentalmente em relação à costa Atlântica, ajuda também a atribuir o devido valor à escolha daquele ermo para implantação de um dos mais importantes centros do Poder do Calcolítico na Península Ibérica.
A interpretação de um habitat com cerca de cinco milénios é uma das tarefas mais difíceis de realizar pois alguns dos seus constituintes são "mudos", e não é seguro atribuir significados à luz de comparações com eventuais semelhanças com estruturas mais recentes, como é o caso da imagem acima, que retrata o que se "chama" de barbacã, sendo que as frestas não podem seguramente ser sobrepostas às seteiras medievas de função, esta sim, inquestionável. Um Museu de ar livre, será sempre um contentor de tesouros, escondidos até à eternidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário