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sexta-feira, fevereiro 24, 2017

Regressar aos Cadernos de Viagem





Há muitas formas de se começar a construir uma viagem.
A partir de uma notícia, a partir de um folheto espalhado ao acaso por uma qualquer plataforma física ou sideral, a partir de uma proposta oral de alguém que já foi ou pensa ir a um lugar apetecível para os sentidos, ou a partir de um sonho que se reconhece ao despertar com um prefácio em Inglês – Let’s go somewhere! Nas viagens pelos sonhos, ou nos sonhos de viagens, a realidade mistura-se com a ficção e por vezes com algumas das devoções da vida; sonhar com Picasso é tão animador para o ritmo cardíaco como contemplar um ídolo pré-histórico, ou ainda soletrar uma rima de Camões. Ouvi um Académico da neurociência confessar que nas suas frequentes viagens reserva sempre um espaço para visitar um Museu, mas que conhecedor da importância mental das emoções mas também das suas consequências, observa sempre uma regra; quando vai a Paris visita o Quai d’Orsai, e elege um Pintor cujas obras aprecia demoradamente e a seguir abandona o Museu. Ainda é cedo para reconhecer os efeitos secundários desta viagem, depois dos muitos confrontos emocionais que ela gerou, pois foram dias que acrescentaram muito à vida que ainda há pela frente. 
O amor pelas viagens é um puro conceito, pelos imponderáveis que as rodeia, e pelo materialismo que as condicionam. A previsão de uma viagem de inverno nas latitudes do frio, inverno mesmo, torna-se por vezes numa outra história, pelos “caprichos” das alterações climáticas, quando nos deparamos com inesperadas temperaturas de cor.  
O caderno de viagem, ajustou-se assim aos mistérios que fazem com que dois cidadãos do Mundo considerem muito prematuro determinar o ponto do Universo onde já não irão dançar a última valsa, e como desta vez foi o Sol a facilitar os seus movimentos, Ele (o caderno) aprece-nos pela frente com a sua imagem na capa e com linhas para disciplinar o futuro conteúdo, destronando o de capa verde que havíamos levado num canto da mala de viagem. 




 Passar de uns apontamentos avulsos para um curto relato, construído com registos gráficos e peças que se vão enquadrando à medida que os acontecimento se sucederam, não é o ponto central que preside ao chamado fim de todas as paragens de uma viagem, onde é possível aliviar as emoções, mas afinal é preciso fazer confluir os casos e os acasos decalcando letras nas faces de um cubo planificado e depois fechá-lo a pouco e pouco para que o caderno de viagem tenha a forma de uma .
As viagens, pensam-se na virtualidade do imaginário, fazem-se com os registos do observável, e as imagens das viagens, terão sempre o seu tempo para cumprir os compromissos habituais e demonstrar como a história continua hoje ainda longe de voltar ao preto e branco, e como para observar não basta ver, é necessário vontade para poder aplicar o método adequado a cada circunstância, que se retira do conjunto das velhas regras que sobrevivem teimosamente no índice dos cadernos de viagem.
Como o Mundo na sua sabedoria indecifrável só tem fim onde não há fim, e embora a informação que flui já não precisa de circular em papel, é impossível avaliar onde acabam as surpresas que nos pode causar um Museu temático. Durante algum tempo, elegemos Colónia como o mais emocionante “Museu Romano”, depois Mérida ocupou essa posição com a preciosa “ajuda” de ter sido a capital da Bética, e agora por inesperado acaso Lyon acaba de por agora colocar Mérida em segundo lugar.
Lugdunum define-se melhor no original - “Tourné vers le soleil levant et dominant le confluent du Rhône et de la Saône, avec une vue qui porte jusqu’aux Alpes, ce site remarquable a été investi peu de temps après la fondation officielle de la ville, en 43 avant J.-C. Durant trois siècles, ce quartier sera au cœur de la vie collective de la cité. Il est abandonné à partir du IIIe siècle après J.-C. : peu à peu, les monuments utilisés comme carrières disparaissent du paysage. Leurs vestiges seront mis au jour et restaurés au cours de la première moitié du XXe siècle”.
Mas a emoção maior estava reservada para Laténium, o parc e musée d’archéologie de Neuchâtel, eleito em 2013 pelo Conselho da Europa como o Melhor Museu.
Antes de Laténium, ficaram pelo caminho as emoções dos encontros com Matisse em Lyon, e em Genéve les Arts de la Côte d’Ivoire, Arte Africana autour des Yohouré no Musée Barbier-Muller, na Fundação Martin Bodmer Gothe, Miró e Braque, estois dois pela “mão” de Edwin Engelberts, os desenhos de Picasso que nos esperavam com uma redução no preço de 50%, e como sempre nesta triologia obrigatória, também as exposições temporárias no Musée Ariana com especial destaque para as porcelanas do Chinês Fang Lijun - Espaces interdits, e da Austríaca Gundi Dietz – Essentielles.
Reflexão final - A 14 de setembro de 1851, o critico de arte Francis Wey escreveu no jornal “La Lumiére”, a propósito dos primeiros levantamentos fotográficos de hieroglifos no Egipto, que a partir daí seria impossível cometer erros, já que a fotografia representava a cópia mais fiel que era possível obter e que ela era infalível. Na verdade, nos sistemas analógicos, usando um conjunto focal que não distorcessem a realidade as imagens fixadas numa película só podiam representar mesmo a verdade, enquanto na era digital basta alguma “sabedoria” para se criar uma irrealidade, e escrever um caderno de viagem virtual. Como serão os futuros “cadernos de viagem”?  

 

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