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segunda-feira, junho 13, 2016

Os Territórios, e os caminhos Milenares



Os territórios “fazem” os povos, sem que estes deixem de os tentar (des)construir à sua maneira, e sendo lugar comum dissertar sobre a identidade dos Povos, reconhecendo-se-lhes atributos, defeitos, e valores assumidos pelas comunidades que os integram, não deixamos estabelecer a sua relação com o território. Por vezes, os territórios são pequenos demais para dar resposta aos seus anseios e potenciais humanos, e a expansão territorial ou a emigração funcionam como válvulas de escape para evoluções socio-económicas, financiadas pela intrusão ou pela extrusão dos ensinamentos trocados com outros Povos. 
Um dos desafios mais aliciantes para muitos investigadores é imprimirem a prova “final” das camadas de registos que não se perderam e para as quais não foram encontrados os pontos certos de justaposição. Os itinerários romanos, são um dos contributos mais sólidos para a compreensão do povoamento de sucesso na ocupação da Península Ibérica, e mesmo assim, nesta História, faltam respostas para alguns alfinetes pregados nas cartografias de parede. Recentemente, o Luís Fraga da Silva publicou a Carta corográfica e itinerária do território actualmente português durante o período imperial romano. séc. I - V ,e lá vem um grosso ponto vermelho, Fines, situado entre a nossa Serpis (Serpa) e (Aroche Espanhola). Ora, se sobre Serpis existem convicções mais ou menos seguras, Fines é como um buraco negro, pois se entre Serpa e Aroche o itinerário actual se deve justapor aos itinerários da antiguidade, não apareceu no terreno um vestígio de ocupação Romana com dimensão suficiente para ter tido o direito de figurar destacado no mapeamento dos primeiros séculos da era cristã.
Cada vez que olhamos para os itinerários cartografados, encontramos explicações fáceis para a consolidação territorial dos séculos mais recentes, mas abrindo os olhos sobre um mapa em grande escala de novos “sítios” em território Ibérico, encontramos sempre matéria para a compreensão da evolução pré-histórica, e também muito dos fundamentos para histórias da História; tudo isto para introito do encontro recente com um novo território, no seu conceito mais gregário.
Revisitando o Dolmen de Soto, a partir de Trigueros encontramos pelo caminho os traços fortes da identidade de um povo, impressa numa paisagem multicolor de sequeiro intensivo, onde é impossível não apenas descortinar um palmo de terra não agricultado, como deixar de perceber a inclinação virtuosa para a rejeição da monocultura que será desastrosa para os povos caso se verifiquem cataclismos ambientais, que provoquem o estrangulamento das redes de distribuição de alimentos básicos.
Para o acesso ao Dolmen de Soto, no centro de Trigueros a indicação para lá chegar é clara, e está bem avisada a distância de oito km, com sinalização conduzente a um “caminho”, que não é apenas o que sugere à entrada um longo troço de asfalto recente; entramos efectivamente num Território, “incompreensível” para um forasteiro, onde milénios longínquos viveram diversos agregados populacionais que para se relacionarem marcaram o terreno com os trilhos mais adequados à exigência das suas comunicações.
Salvos as naturais excepções, os actuais agregados populacionais não são obras do acaso, e se não sabemos se foi ou não em Trigueros que existiu o povoado neolítico cujos ocupantes erigiram um cromeleque de planta circular com cerca de menires, no sítio onde mais tarde nasceu o Dolmen de Soto, e se sob o caminho de hoje não estará o trilho milenar, não deixa de ser significativa a confluência de caminhos agrícolas em redor do Monumento, quando este apenas foi descoberto nos anos 20 do século passado. Podemos portanto falar em pisar um Território pré-histórico, mesmo sem resposta para delimitar a área ocupada por pessoas e animais.
Sem grande esforço, centrando-nos em Trigueros, o google maps permite verificar a malha relacional dos povoamentos actuais, e perceber que passa muito perto do Dolmen a ligação mais amigável de uma das mais vincadas tradições Andaluzes, a Romaria à Senhora de El Rocio, e na já citada estrada asfaltada encontramos um pequeno troço intermédio em terra batida muito bem consolidada, com uma tabuleta indicando “Vereda del Carril de los coches”. As “veredas” fazem parte da identidade dos andaluzes, que reservam troços de caminho no seu substracto original para que nas romarias, carros e cavalos pisem por igual a mesma vertical dos seus antepassados mais próximos.
Para El Rocio, milhares de romeiros agregados em Irmandades territoriais, indiferentes às condições meteorológicas, percorrem anualmente o mesmo “trilho” para prestar devoção à Senhora d’El Rocio, enquanto que para o Cromeleque já referido convergiriam ocasionalmente ou não gentes atraídas por um mesmo imaginário sagrado, e na actualidade, alguns “curiosos” marcam encontro no Dolmen de Soto nos dias próximos ao Equinócio de Verão para apreciarem o efeito da relação entre o Monumento e o nascimento do Sol, e para isso tatearam pontos num caminho milenar.


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