O exercício da minha decisiva actividade profissional como empregado sempre por conta da mesma Entidade, realizou-se ao longo de 30 anos, digamos em três períodos quase iguais, porque dividido por três edifícios situados em três zonas muito distintas da Capital. Tudo começou num edifício Pombalino na baixa de Lisboa, numa época de grande actividade comercial e consequentemente de diversificada ocupação populacional em toda a centralidade da Cidade, e com grande relevância nas zonas da beira rio.
Nas duas horas que tinha então de intervalo para almoço, conseguia comprar na “Baixa” tudo o que nos fizesse falta, e usufruia de uma enorme capaciadade de escolha para decidir onde almoçar em cada dia, assente na diversadade de preço e na oferta gastronómica, indepentemente da sua proximidade à Rua do Ouro, meu local de trabalho. O hábito de almoçar então quase sempre em grupo, trazia consigo as vantagens das “vaquinhas”, nos restaurantes que apresentavam travessas mais abundantes, como era o caso nos anos 70, do Porto de Abrigo, situado perto da Estação Ferroviária do Cais do Sodré, que sempre ofereceu uma lista de verdadeiros “petiscos”, como o polvo à PA, as almondegas de vitela, os bifes panados, o pato assado com azeitonas, as açordas, as peras cozidas, o arroz doce e as maçãs assadas. Este restaurante, era também um lugar simples, diria com uma atmosfera sombria e misteriosa, mas no qual nos “podíamos” ver todos uns aos outros, visto que nas paredes, a partir do chão, por cima de altas pedras de mármore todo os espaço estava forrado com espelhos e só os velhos bengaleiros, com cabides e poiso para os chapéus, que ainda estavam mais acima, e quando cheios de casacos, gabardines e sobretudos, podiam constranger alguns dos ângulos de visão. Ao fundo do lado esquerdo um balcão alto por detrás do qual um empregado prestava apoio aos dois empregados de mesa, um deles de que me lembro o nome, Luís, também ajudados pelo Sr. Manuel, o dono do restaurante. Quando comecei a escrever estas linhas, tinha a intenção de a ilustrar com meia dúzia de imagens. Afinal, não posso acrescenter uma imagem positiva que se aconchegasse às considerações sobre o intimismo daquele lugar na época em que não o conheci, através do excerto seguinte do livro de Mário Soares, Portugal Amordaçado, - “lembro-me que na noite destes acontecimentos, jantei com o Manuel Mendes numa taberninha (como ele dizia, carregando nos rs), o «Porto de Abrigo»”. O Porto de Abrigo, já fechou, e um dia destes pela porta entreaberta para a sua desconstrução ainda meti a cabeça e pedi para tirar um fotografia às paredes, pois todo o resto já lá não estava, mas nem isso me permitiram. Fixado o retrato do exterior, que à imagem de uma sociedade em descomposição, acrescenta apenas a data da sua fundação, teimei em lá voltar, e hoje encostei a objectiva na parte da janela que ficou “desprotegida” e fixei a visão do “espaço aberto”, onde, a um canto até ficou talvez uma mesa esquecida.
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Por ali perto, a “baixa” da cidade de Lisboa continua a sua marcha de recomposição, sem que a Autarquia tenha ao seu dispôr legislação e meios financeiros para podar e enxertar a árvore da vida citadina, que carece de urgente renovação e continua vítima dos assaltantes imobiliários que mantêm em seu poder quarteirões entaipados à espera de um “resgate” vantajoso.
Já na “Avenida da especulação imobiliária”, fica o segundo imóvel da minha vida profissional, uma emblemática peça de arquitectura de Lisboa, onde hoje estão centralizados os registos civis. Por detrás da “janela branca” realçada na imagem, passei cerca de dez anos da minha carreira profissional, com uma bela vista para o Palácio Sottomayor que ainda conserva parte da sua arquitectura original e de cuja escadaria realizei este enquadramento.
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