Se no 1º dia de cada Mês vou tentar continuar a acrescentar alguns “Riscos” (o ano de 1987 foi o seu ano de eleição), no último dia de cada mês vou passar a publicar “A memória Arqueológica do Mês”, através da qual recordarei a história correlativa de alguns dos “cacos” mais significativos de 50 anos de nariz no chão.
Para começo, associado à reabertura do Museu de Serpa, hesitei entre a Cidade das Rosas, donde partiu a primeira etapa de uma caminhada arqueológica, longa no tempo mas curta no espaço, e um dos “sítios” de S.Brás onde continuo a pousar anualmente, porque acredito na existência de (en)cantos muito importantes nos torrões calcados onde decorreram as principais etapas do nosso percurso pelo Universo, e sem que consigamos atribuir-lhes uma hierarquia.
Nestas etapas, Serpa preenche(u) vários domínios do nosso crescimento físico e intelectual, é mesmo exemplar ao confirmar as reflexões pré-socráticas sobre os corpos, que como conjuntos de átomos, ao longo dos tempos se repelem por (in)determinada acção magneto-cósmica, enquanto outros se atraem por uma múltipla afinidade de conceitos filosóficos.
Decidi-me por reavivar o Cerro dos Castelos de S.Brás, onde a convite do nosso bom Amigo Engº Monge Soares partilhei as prospecções de superfície iniciais realizadas pelo Dr. Rui Parreira, o Arqueólogo que mais tarde realizou a única campanha de escavações no sítio ( http://www.patrimoniocultural.pt/static/data/publicacoes/o_arqueologo_portugues/serie_4/volume_1/cerro.pdf ).
A notícia do “achado” do Mês é de S.Brás3, a partir de uma nota datada de Setembro de 2001.
1. O ACHADO
No dia 1 de Setembro de 2001 visitámos a folha de sequeiro intensivo onde se situou o povoado chamado de S.Brás3(1) a fim de observarmos os primeiros resultados da revolução produzida pela primeira encharruada feita após a ceifa deste ano. Cada ano que passa, os testemunhos arqueológicos superficiais desta plataforma, são não só mais pequenos, mas também mais escassos e difíceis de observar antes das primeiras chuvas, que nesta altura ainda não tinham começado a cair.
Apesar da ausência dos constrastes entre a terra e os fragmentos estranhos que envolve, entre os grandes torrões deparamos com o que parecia ser um pequeno objecto plano aparentemente trabalhado e com formato simétrico, o que nos levou a baixar-nos e a observa-lo de mais perto. Confirmámos o “chamamento” inicial, pois tratava-se de um objecto em osso, enquadrável no grupo dos chamados ídolos e que descreveremos a seguir.
2. DESCRIÇÃO e ENQUADRAMENTO
Objecto em osso, de perfil plano, procurando traduzir uma representação antropomorfa muito bem estilizada, através da simples acentuação de uma cabeça e do restante corpo (Fig.1). Na cabeça, foi ainda efectuada, de uma dos lados, uma pequena e ligeira concavidade em forma de meia lua.
Mede 3,9 cm de altura sendo a largura máxima de 1,15 cm e a maior espessura de 0,63 cm. e apresenta uma pequena falha na parte superior.Apresentava ligeiríssimas aderências calcárias que foram facilmente removidas.
O polimento da gola, do topo e da base, e das superfícies laterais ainda está perfeitamente visível, com algum brilho, apresentado-se mais desgastadas as superfícies da frente e do verso onde são observáveis muitas e finíssimas estrias no sentido horizontal.A patine do ídolo é uniforme e não existe diferenciação entre o brilho da patine na gola e nas superfícies laterais, o que pode indiciar não ter permanecido em suspensão como pingente.
De qualquer forma, tenha sido ou não um objecto adorno pessoal, tanto permanente como ocasional, pode ser enquadrado no Tipo II da classificação de Maria José Almagro Gorbea, e embora não apresente qualquer representação esquemática dos braços julgamos não dever ser proposto para uma nova variante mas deve ser englobado pelo grupo F. A esmagadora maioria dos ídolos do Tipo F apresentados por Gorbea têm uma cintura bem marcada, o que não é o caso deste exemplar de S.Brás3, e tal diferença é deveras significativa pois aquele conjunto é constituído por várias dezenas de exemplares.Porque a raiz figurativa nos parece a mesma admitimos enquadra-lo nesse conjunto.
A descoberta deste objecto em S.Brás3, vem acrescenta-lo a outros do mesmo local ao corpus dos objectos votivos do Sudoeste, e é coerente com parte do restante mobiliário de superfície até hoje recolhido no local, isto é, devem ter pertencido às fase finais da ocupação.
Os ídolos calcários e de barro, cilíndricos também encontrados em S.Brás3, não são estranhos no povoamento deste grande espaço que foi o Sudoeste da Península ao longo da transição do neolítico para o calcolítico, mas o pequeno ídolo de osso é raríssimo como achado, e do ponto de vista intrínseco revela uma fortíssima intenção esquemática que já nada tem a ver com as habituais propostas de interpretação das representações da tantas vezes invocada “Deusa-Mãe”. Salvaguardadas as devidos distâncias, estilizações antropormóficas desta qualidade encontramo-las nas representações da arte Minoica, onde é notório o equilíbrio proporcional entre a cabeça, o tronco e os membros inferiores, e ainda com alguma diferenciação nas duas partes da cabeça.