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sábado, maio 14, 2016

Paris, 3 dias Quatro Museus




A forma subtil como Paris mete conversa com um não residente, transforma desde logo as ideias feitas em tartelletes acabadas de sair do forno, brilhantes, estaladiças e doces. A linguagem desta conversa de cultura servida à varanda dos Campos Elísios, não é só um sucedâneo do esperanto, embora seja entendida por qualquer pessoa bem acordada, é um regresso aos processos de aprendizagem na infância. Ao regressarmos a Paris o primeiro estímulo sensorial é como olhar para o edifício da Maternidade onde nascemos, pois num ápice deslizam pelo ecrã do nosso imaginário milhões de imagens acumuladas ao longo das diferentes etapas do nosso relacionamento, que representam a construção da sala de acolhimento de uma ludoteca para a quinta idade.
A “ordenação” das tarefas a que nos propusemos, foi pensada com farta antecedência, e desta vez ainda mais condicionada por três fortes realidades que preenchem comumente as nossas pausas mentais, a “Picassomania”, a Arqueologia e a História, e a consciência do nosso processo de envelhecimento que não se articula com “pague agora e use mais tarde”, até porque desta vez o relógio tinha uns ponteiros muito mais pequenos, e também havia uma promessa para com a participação cívica na defesa da Civilização.
Cruzámos-nos com milhares de pessoas desconhecidas a quem não conseguimos atribuir qualquer adjectivo, a quem não podíamos atribuir confiança ou desconfiança, de quem não conseguimos recolher uma opinião, porque estavam fechadas no silêncio da ilusão de que o Mundo existe mesmo, quando em qualquer noticiário se desconstrói a formulação da espécie Racional. Mulheres calçando botas com fivelas, com lenços de seda oriental ao pescoço, umas bonitas outras nem assim, homens de preto, muitos homens de preto e raparigas e rapazes cada vez mais amochilados, e tenisados. Em tão pouco tempo, fala-se o essencial com terceiros, seja para lembrar que o bilhete que temos que adquirir pode ser de tarifa “reduite” , seja para o acolhimento no hotel, ou ainda na entrada do "Métrou" para comprar-mos um série de dez bilhetes pagando com a maestria do cartão de débito, e inevitavelmente quando é preciso mobilizar a satisfação dos meios de sobrevivência ou da gulodice alimentares.
Claro que nos encontrámos com muitos e vivos olhares, e até bem bonitos, espreitando ondas de choque milimétricas, exponenciando os grafismos da condição humana, mais ou menos gravados numa antevisão dos retratos bidimensionais que se recolhem na austeridade das estruturas imobiliárias ditas Hotel de, e de, disponíveis para acolher todas as modernas plataformas de expressão artística.
Os cruzamentos instantâneos de dialectos com sonoridades mescladas com areias do deserto, e sobrepostos às emissões silenciosas dos escapes, criam cortinas de silêncio para que a arte rural não se deixe fantasiar pelas poeiras dos degelos polares, enquanto que as sirenes dos batelões que cruzaram o Sena expulsam do seu caminho de curvas e rectas os pássaros capazes de interferir com os cones de ar das turbinas arrefecidas com as águas lamacentas dos afluentes dos Países Francófonos, e cujas aritméticas provocam cálculos renais.
Na voragem dos encontros de gerações concorrentes ao prémio da (in)felicidade, a velhice de uns compara-se e concorre com a velhice de outros e contrasta com o brilho académico da juventude irrequieta que não se contenta com o uso dos pés e lhes acrescenta várias rodas para progredir no número de centímetros que se podem percorrer num dia pela Cidade imaginativa das esquinas sem semáforos, sem passadeiras para peões e sem papeis com escritos poéticos, deslizando perdidos pelo chão.
Mas afinal, “ser velho” significa que se viveu muito mais do que os números que nos interpretam como um cd muito riscado, sem que consigam perceber as bibliotecas que lhes passam ao lado, falando línguas várias tão depressa como um puro sangue árabe, e sendo cada vez em maior número, sustentam um castelo de lenços de papel tão grande que já há quem anteveja um caminho de Babel até à estação meteorológica europeia que paira sobre as nossas cabeças para nos confundir com as escalas métricas azotadas.
A “Picassomania”, parece que viajou num avião antes do nosso, pois quando chegámos à Praça da Bastilha um grupo de pagãos gritava bem afinado e alto Picasso, Picasso, Picasso, abafando o som construído pelo vento através de uma turba imensa de esqueletos de vidro que sibilavam, Vive la France, e só quando nos aproximamos para os fotografar em modo macro entendemos a mensagem – a teimosia não é um defeito, pois devemos aprender com a vida que se nos conformamos com a chuva, o sol não volta a aparecer. Iniciada a caminhada pela Capital do multiculturalismo, demos logo portanto conta do bulício sempre renovado das galerias de arte na Place des Vosges, que em conjunto com muitas outras no caminho até ao Musèe Picasso, num ano em que passaram 30 anos sobre a sua inauguração, demonstram que o Mundo confunde guerra com alegria, destruição com criação. 




À nossa espera, bilhete pré-comprado pela net com hora de entrada marcada, estavam lá afinal três exposições: 

PICASSO. SCULPTURES
Après la rétrospective «Picasso Sculpture» au Museum of Modern Art de New York réalisée en partenariat avec le Musée national Picasso-Paris, l'ambition de 1'exposition «Picasso. Sculptures», qui est présentée à 1'Hôtel Salé du 8 mars au 28 aoút 2016, est d'envisager la sculpture de 1'artiste sous un nouvel angle: sa dimension multiple, à travers la question des séries et variations, fontes, tirages et agrandissements, réalisés à partir des originaux sculptés. Avec plus de 240 ceuvres, c'est le plus important rassemblement de sculptures depuis l'exposition «Picasso sculpteur» au Centre Pompidou en 2000.
 


MIQUEL BARCELO. SOLYSOMBRA
Le Musée national Picasso-Paris accueille 1'ceuvre de Miquel Barcelo. Lexposition, intitulée «Sol y Sombra», presente en partenariat avec la Bibliothèque nationale de France un ensemble de peintures, sculptures, céramiques et ceuvres sur papier des années 1990 à aujourd'hui. Le parcours se développe autour des divers domaines de création de l'artiste et met en avant les affinités de son ceuvre avec les attitudes, les motifs et les processus créatifs de Pablo Picasso.


 
 
 
 
 


 

i PICASSO!
Le Musée national Picasso-Paris conserve la plus grande collection au monde d'ceuvres de Pablo Picasso, couvrant toutes les périodes de sa création et tous les domaines, dont les «Picasso de Picasso», vénus directement des ateliers de l'artiste, ainsi que sa collection personnelle.
 Le musée propose une nouvelle présentation de ses collections, intitulée «iPicasso!» qui occupe les 2e et 3e étages de l'Hôtel Salé. Environ 200 ceuvres témoignent de la richesse des collections du musée: peintures, sculptures, dessins, gravures, céramiques, livres illustrés... permettant de lire autrement la vie, le processus créatif et la diffusion de l'ceuvre de l'artiste.



As exposições que tanto ansiávamos poder escutar, serão porventura constituídas por um dos mais belos conjuntos de obras de Pablo, e embora centrada na escultura encaixou-se na vida e na sua relação com as pessoas e com o Mundo em todos os seus domínios, intervenção política mais ou menos discreta, na exaltação dos meios de comunicação impressa que então pontuavam a transferência de opinião entre aristas e públicos, e em que os catálogos de então, muito simples, se transformavam nas suas próprias memórias ou em plataformas de expressão ou de comunicação. Tudo enquadrado numa disposição aberta e leve aproveitando as regras de um edifício fantástico.
Para um percurso mais confortável, há folhetos que convém apanhar no fim da visita, mas uma adivinhança revelou-se providencial, pois há saída já se tinha esgotado a edição do folheto especial de um dos parceiros do Museu, de que extraí o interessante texto abaixo transcrito.
 




PICASCULPTEUR
Par Mare Lambron, de l’Académie française
L’infini «continem Picasso» ne cesse de susciter ses réévaluations, ses corrections de perspectives, ses expansions posthumes. «La sculpture est le meilleur commentaire qu’un peintre puisse adresser à la peinture», a dit un jour le monarque de Vauvenargues. Cest suggérer le statut lateral, réflexif, voire auto-commémorateur que ce géant réservait aux moments oú il toréait la matiere en 3D. Sous le commissariat de Virginie Perdrisot et Cécile Cjodefroy, lexposition « Picasso. Sculptures», présentée au musée Picasso, lève le voile sur l'organisation dun mystère.
C'est que la sculpture, avec des nuances, est longtemps restée pour Picasso un terrain de jeu, le lieu discret de la non proclamation. Certes, à l'époque de « Têtede femme, Fernande», considerée en 1909 comme la premiere sculpture cubiste, l’artiste faisait éditer et diffuser par le marchand Ambroise Vollard des figures de bronze. Certes, il laissa le photographe Brassai penetrer en 1932 dans son atelier de Boisgeloup pour de saisissants clichés de plâtres convulsés. Mais le Minotaure lyrique qu etait Picasso sembla longtemps réserver à ses sculptures le destin de stèles magnétisantes et derobées, comme un Stonehenge intime d’ou il tirait sa force tellurique. II fallut attendre la grande rétrospective de 1966 pour que le Petit Palais révèle la fulgurance du Picasso sculpteur, dont lexposition « Picasso sculpteur» du centre Pompidou donna en 2000, sous I’oeil de Werner Spies, une vision mieux archivée et plus raisonnée.
Lensemble monstre que presente l’Hotel Salé, s’accompagne dune passionnante suggestion: Picasso aurait tout au long de son existence, via la sculpture, organisé sa propre Atlantide. Il aurait, sans désir manifeste d’exposition immediate, construit son propre reliquaire, dessiné un segment de son oeuvre promis a l’exhumation future, comme on découvre un jour les tessons dune civilisation perdue. Les galets et les os d’oiseaux ramassés sur les plages du Midi, aussitôt cannibalisés en tètes de hiboux, faunes ou taureaux, étaient travaillés par lui comme des vestiges. Un pointillé, un affleurement, une discontinuité dont la presente exposition révèle aujourd’hui, en puzzle rassemblé, la figure totale.
Le résultat est prodigieux de plasticité, d’ingenuité éruptive, de déploiement éblouissant, et donne à voir le jaillissement d’une polymorphie. Modelages de terre et de plàtre, taille de la pierre et du bois. assemblages, tôle pliée, bronzes coloriés, fer soudé, céramiques, monde ovidien des muses et des déesses, clin dóeil aux bois sculptés de Gauguin, Vénus de Lespugue, d’epoque Charlie Chaplin, prefigurations de Calder et de Giacometti, chèvres et guenons, femmes lacérées, totems stravinskiens, idoles océaniennes, paganismes ironisés. Voyez cette Fernande Olivier arcimboldesque, cette Marie-Therese Walter voluptueuse, et ces magnifiques « Figures» de 1928 en til de fer et tôle, austères ligues radiales, sorte de manifeste pour un dodécaphonisme sculptural.
Decidément, Picasso naura rien raté, pas même ses silences. II alignait parfois ses sculptures sur la terrasse de ses thébaides comme des pieces de jeu dechecs, des compagnons de théâtre. A les regarder, on oscille dans une longueur de vision qui irait des poupees du Paleolithique aux figurines des studios Pixar. La dialectique du secret et de l’extraversion travaille l’ensemble. Dès 1927, Picasso imaginait dans ses carnets des baigneuses destinées à orner la Croisette cannoise. Fn 1950, sur la place centrale de Vallauris, « L'Homme au mouton» marqua la première installation permanente dune sculpture de Picasso dans un lieu public. La technique de la bétogravure permettant l’agrandissement monumental des formes, on vit en 1965 une «Tete de femme» de quinze mètres de hauteur inaugurée au bord dun lac suedois. La sculpture avait été le domaine prive de Picasso. A l'approche de la fin, son règne posthume fut annoncé par une idole geante digne de l’ile de Paques •
 


 
 
 
 
O catálogo de hoje, é uma obra de história de arte, que contradiz em linguagem fácil à propensão para conclusões apressadas sobre o hermetismo de algumas obras de Picasso.
Comparações não levianas – cada ser activo fica, ou pode ser diferente dos outros pelas escolhas nos caminhos que segue, deixando um rasto registrado nos mais simples dos papeis, e estes, tal como alguns selos impressos a preto e branco representam o tributo que se pagou para acedermos aos espaços onde a arte se mostra e que se materializaram modernamente em códigos de barras e recentemente nos “krcodes”.
Numa exposição em que o molde da mão de Picaso não poderia faltar, a imagem da minha, também ficou na história desta viagem, segurando o número de resgate do chapéu de chuva enquanto ele descansou no vestiário.
 

 
 
 
 
 




E assim se esfumou a tarde, mais um meio dia de aprendizagem, e com o peso de mais um volume das obras do Picasso para ler, ver e sonhar.
 

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