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domingo, fevereiro 21, 2016

Reguengos de Monsaraz e Os Perdigões, um sítio de agregação na Pré-História


 



O Universo é um Mistério, estudá-lo é uma obrigação para quem o habita. 

“Os Perdigões, um sítio de agregação na Pré-História e no presente”, foi o título escolhido para um encontro, particularmente datado, desencadeado por alguns dos responsáveis pela investigação do complexo arqueológico dos Perdigões e promovido pela Direcção Regional de Cultura do Alentejo, no pressuposto de que convergiria a Évora gente em diferentes estados de maturação, para ouvir, pensar e interrogar, contrariando a vulgata da investigação arqueológica secreta que “esconde” as conclusões do público dito generalista, tratando dos assuntos em “família”. Na ocasião, foi aberta uma pequena exposição temporária na Galeria do Centro Regional de Cultura acompanhada de um conjunto de posters, cujas imagens fixei e aparecem no final do texto.
O complexo dos Perdigões é um projecto em desenvolvimento ao longo dos últimos vinte anos, com campanhas arqueológicas anuais, que se traduziram até hoje no estudo de apenas 1% da área envolvida, e passível de vir a ser classificado pela UNESCO como Património da Humanidade pela potencialidade da informação já recolhida e da que ali permanece jacente, e por isso não só aguarda pelo contributo activo de mais do que uma geração, mas também do sucessivo avanço no conhecimento das ciências multidisciplinares hoje indispensáveis ao rigor no progresso da investigação dos sítios pré-históricos. A existência primeira dos Perdigões deve-se à conjugação dos contributos decisivos do IPA (Instituto Português de Arqueologia) entretanto extinto pelo Governo PSD/CDS, e da Finagra (hoje, Esporão) proprietária da maior parte dos terrenos de implantação do sítio, e a persistência da investigação tem contado com vários apoios mecenáticos Nacionais e Estrangeiros, entre os quais sobressai a ERA Arqueológica na sua qualidade de empresa privada, embora aliada à responsabilidade pela condução das diversas vertentes da investigação.
A volumosa informação do sítio dos Perdigões, que abrange cerca de 1.500 anos percorridos entre o Neolítico Médio e o Calcolítico Final, já permitiu autonomizar alguns projectos sectoriais com resultados que congregam consciências para acomodar conhecimento, acamar ideias e fortalecer opiniões que vão percorrendo os caminhos dominadores do território misterioso de milénios longínquos. A informação entretanto já publicada sobre os detalhes científicos das investigações, está acessível de forma orientada em,
www.perdresearch.blogspot.com
A atracção que Os Perdigões me despertaram, resulta da sua qualidade intrínseca, sobreposta às épocas da investigação arqueológica de que me fui tornando “dependente”, seja não apenas pelo desafio da sua natureza pré-histórica, seja pelas influências estéticas responsáveis por algumas das minhas realizações materiais na parte da vida marginal, à arqueologia, e ao meu percurso profissional. A apaixonante capacidade criativa dos artífices do Calcolítico, muita dela marcadamente simbólica, fica aqui ao acaso documentada numa imagem de um pequeno vaso encontrado no espólio da Anta Grande do Zambujeiro, com toda a sua iconografia caratcterística; os “olhos” solares da “Deusa Mãe”, as tatuagens faciais, o triângulo representativo do feminino tão importante para a procriação na expansão da espécie humana, e que está exposto no Museu de Évora em conjunto com o espólio daquele Monumento.



Como em qualquer investigação de um sítio Pré-Histórico, os estudos desenvolvem-se sobre dois planos: o local físico, e a energia que os materiais encontrados aportam.
O local físico escolhido para a implantação dos Perdigões pode ser descrito como um anfiteatro natural debruçado sobre o vale da Ribeira do Álamo, orientado para nascente com cerca de 450 metros de diâmetro na sua versão hoje considerada final. No “centro” do sítio foi encontrada uma cabana com uma planta em círculo aberto, datada no Neolítico Médio; aproximadamente com sete metros e meio de diâmetro e uma abertura com quase sete metros, cujos extremos para quem se encoste no seu interior oriental coincidem com o ponto em que desperta o Sol nos solstícios de Inverno e de Verão, como se no horizonte dominado pelo promontório de Monsaraz, se plasmasse uma carta solar diária em que o ponto de despontar do sol caminha da esquerda para a direita até regressar anualmente ao ponto de partida, e o meio do ano marcado com rigor por dois postes alinhados, um implantado no meio da cabana e um outro uns metros à frente bem fora da cabana (Poster 5).
Não foram até agora encontrados vestígios de uma sucessiva ocupação permanente que aproxime os Perdigões de um povoado clássico, e por isso se vem falando do “complexo arqueológico dos Perdigões”, um local de agregação ou convergência temporária de gentes, uma vasta área repleta de vivências que se foi articulando através de uma rede de fossos mais ou menos concêntricos escavados no solo geológico, cuja função significativa está pendente do avanço da investigação, sendo que também não parece ter existido uma progressiva expansão territorial, já que o fosso mais exterior do Neolítico ajusta-se ao fosso mais exterior do Calcolítico, (Poster 2) dentro da qual se encontraram diferentes tipos de sepulcros, e marginalmente um Cromeleque cuja interpretação está por fazer, monumento este que embora com os menires tombados foi um dos pontos de partida para identificação do sítio, abandonado repentinamente no final do Calcolítico, não se tendo encontrado sinais de qualquer ocupação posterior. Ficámos agora a saber que os investigadores estimam em 60 000 toneladas o volume de rochas retiradas do interior de dois terços dos fossos riscados, e cujo destino é ainda desconhecido, concluindo-se pacificamente que a sua escavação humana realizada com os instrumentos disponíveis na época (grandes ossos, machado de pedra, hastes de veado e de outros animais), embora realizada ao longo de um século e meio, mas sem uma aparente força de trabalho residente em permanência, mobilizou necessariamente os milhares de pessoas responsáveis pela abertura dos fossos e pela remoção dos “entulhos” para um local aparentemente distante.
Embora se encontre num estado inicial, já decorre a investigação aos restos humanos sobre o teor dos isótopos de estrôncio depositados pela água na dentição humana nos primeiros anos da vida humana, água essa com composição diferenciada no espaço terrestre, e os dados disponíveis apontam para que pelo menos um quarto dos mortos encontrados nos diversos sepulcros pertencem a indivíduos que vieram de regiões distantes, como por exemplo a península de Lisboa, à qual se ajustam os resultados das análises às suas águas.
Os materiais cerâmicos, e os instrumentos característicos dos mais diversos períodos de presença no local, demonstrativos de uma alargada interacção regional, já permitem estabelecer uma carta de relações com as origens das matérias primas ou das regiões com que se associam determinados padrões; por exemplo, decorações calcolíticas da região de Lisboa, vasos votivos em calcário de Pero Pinheiro, pedras verdes da Serra Morena, ídolos bétilo em calcário de Vila Viçosa, silex da região de Granada, cinábrio usado em tatuagens importado de Ciudad Real, e marfim de elefantes da savana Africana. 
O arquivo dos materiais dos Perdigões já possibilitou a avaliação antropológica e o estudo dos resultados da escavação do chamado sepulcro 1 (Lucy Shaw Evangelista), direccionado os resultados para perfis que permitam avaliar “quem eram” os mortos, através da idade, sexo, estatura e DNA. Os enterramentos vêm revelando uma mistura entre, se assim se pode chamar, a vida e a morte, mas em que para as mesmas épocas há diferentes materiais nos sepulcros que são formalmente distintos, relevando-se o mesmo no caso das deposições de restos humanos cremados.
Os cerca de 15 000 ossos do registo faunístico nos Perdigões já estudados, correspondentes a 20 000 animais diferentes (Cláudia Costa) vem permitindo iniciar um modelo que cuida em considerar a fiabilidade da amostra pois, lembremos, os dados provêm de 1% da área total do complexo, agregando os resultados em dois grupos, o do Neolítico final e o do Calcolítico. Com os dados actuais, verifica-se uma alteração dos padrões de consumo entre naquelas duas épocas, como por exemplo respectivamente para o Neolítico e para o Calcolítico, 46% e 27% de porco e javali, 21% e 31% de coelhos e lebres, 18% e 8% de ovinos e caprinos, 4% e 9% de vaca e, uns curiosos 7% de veado apenas no Calcolítico.
Milhões de Mulheres e de Homens acreditam na existência de um ser Criador do Universo a que chamam de Deus e ao longo dos séculos foram surgindo vários “Deuses” agregados com as mais diversas filosofias, ou teologias. E não bastou a existência imaterial desses “Deuses e Deusas”, o Homem, caminhou passo a passo na sua representação inspirado na sua própria imagem. Os patamares de crescimento das mais primitivas imaginações criativas estão perdidos no pó dos tempos, por falta de suportes de registo, até porque esses artefactos idiotécnicos raramente se encontram nos locais de elaboração, tendo acompanhado os passos dos seus “adoradores”, muitas vezes até à derradeira morada, num demorado e desconhecido percurso.
Entre os achados mais importantes dos Perdigões, estão os “ídolos” na forma de representações antropomórficas em calcário, osso e marfim, que a par das plantas da rede de fossos descobertas com o auxílio da magnetometria (uma ferramenta não intrusiva), são os ícones mais presentes no grafismo da publicidade aos Perdigões, no bom sentido, claro.



 
 

 
 

 
 

 
 

 
 

 
 

 
 

 
 


Termino estas notas com um citação de Goethe, e com uma profissão de fé no Homem, na sua capacidade de superar a adversidade dos interesses económicos que não percebem o sentido, e a vantagem, da investigação histórica e da criação de emprego que ela pode aportar, reafirmando o compromisso com a apreensão dos conhecimentos que me vão sendo proporcionados, guardados para pensar, e sempre que possível com modéstia, os partilhar. 

Então, ânimo, e dai o vosso melhor. Dai força à imaginação, com todo o coração, inteligência e razão, paixão e sentimento. E lembrem-se, não percam a loucura - J. W. Goethe

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