A peça do último mês do ano de 2016 é mais um “achado de ocasião”, desta vez sustentado por anos de nariz no chão, e por raciocínios lógicos abertos pela dedicação a uma região e ao conhecimento daí decorrente. A estrada Romana que ligou Pax Julia a Fines (Cidade ainda hoje por localizar) atravessava o Guadiana no ponto geológicamente mais favorável, isto é, onde a profundidade do Rio é menor no Verão. Antes da construção da ponte rodoferroviária de Serpa o atravessamento do Guadiana nos últimos dois séculos fazia-se através de uma barca, subsistindo na margem direita a casa do barqueiro bem como a argola de amarração bem incrustada numa rocha uns metros acima do chamado leito de cheia, portanto numa cota de alguma segurança para funcionar nas condições de caudal mais desfavorável.
Cerca dos anos 80, a observação ao troço bem conservado da estrada romana até à margem do Rio e a busca de alguns enquadramentos fotográficos, levou-nos até uma plataforma próxima, “um terraço”, onde em face das evidências à flor do solo frequentemente remexido pelos trabalhos agrícolas, admitimos a existência de um atelier de ar livre dos períodos da pedra lascada. Recolhemos então potenciais macroutensílios fabricados a partir de grandes seixos rolados de quartzito, e estávamos então no local onde milénios depois se atravessou o Rio, a vau no Verão e de Barca no inverno, e também próximos do conjunto de três moinhos conhecidos por, de Vale Beirão.
Em 2014, quando decidimos ir “procurar” pelos dois moinhos de Vale Beirão implantados na margem esquerda, guiados pelo Google Eart não nos esquecemos do terraço oposto na margem direita, e após a localização e visita daquelas edificações ficámos atentos ao solo de um olival junto ao caminho que os moleiros e seus clientes utilizaram, e no qual era evidente o contraste entre a terra lavrada após a limpeza das oliveiras, e alguns “objectos” líticos espalhados numa área de meio hectar. Entre os artefactos por ali abandonados, de incalculável valor arqueológico, encontramos o “chopper” cuja imagem é a “peça” deste mês, elaborado seguramente no paleolítico inferior.
Abel Viana terá sido o Arqueólogo quem maior impulso deu ao estudo das indústrias macrolíticas nas marges do Guadiana e do Ardila, seu afluente, e mais recentemente o acompanhamento arqueológico do reordenamento da rede viária afectada pela albufeira da Barragem de Pedrógão, gerou a relocalização de alguns sítios onde, no passado, havia sido detectada a presença de indústria macrolítica sobre seixos quartzíticos, e a “peça do mês” é semelhante à primeira imagem do longo artigo tradutor daqueles trabalhos, disponível em -
https://www.academia.edu/544008/As_Ind%C3%BAstrias_Macrol%C3%ADticas_das_Margens_do_Guadiana..