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terça-feira, outubro 07, 2014

SANTA JUSTA, UM POVOADO DO CALCOLÍTICO



Cumpri em 6 de Outubro a promessa de voltar a Santa Justa, o dia em que a Academia Nobel atribui o prémio de medicina a três investigadores que identificaram no cérebro humano células que “funcionarão com uma espécie de gps”, e também o dia Mundial da arquitectura.
Para todos nós a memória humana é um mistério, e muitos poucos pensarão em como ela será detalhadamente composta, e esta descoberta agora tornada pública vem acordar-nos para, neste dia, eu ter logo refletido sobre o caminho de pé posto que me levou e trouxe da base até ao topo do promontório onde se erguem os restos das muralhas do Castelo de Santa Justa, e a inesperada consciência de que de facto mapeei mentalmente o trajecto, acho que o “guardei”, que até já o “corrigi” pois o começo não era claro e só no regresso ajudei a acamar o trilho ideal para o trajecto, e quando voltar para mostrar o sítio, também sei que estará complementarmente (esperemos…) “disponível o mapa” dos caminhos de muito xisto desfeito e alguma terra batida que ligam o Povoado actual ao Monumento abandonado à sua sorte.
 
 
 
 
 
Entre estas duas imagens, devo destacar a delimitação dos terrenos; onde esteve o muro, decerto levantado à custa das muralhas do Castelo; encontramos agora uma sólida vedação metálica que por si só nada produz.
Da arquitectura do Povoado Calcolítico ficou-nos apenas a proposta de Victor Santos Gonçalves, e no Povoado actual sentindo-se a luta pela vida dos seus habitantes mantem-se as reconstruções académicas a par com as engenharias e arquitecturas modernistas, também extensíveis às pocilgas edificadas no perímetro da povoação. com paredes novas a par das portas com velhas tabuadas ricas de imponentes ferrolhos e aldrabas.
 






Nas sociedades modernas (actuais), a matéria mais abundante é o que se chama de Informação, o que não é sinónimo de contributo para a formação do conhecimento, e muito menos para o relato da verdade. Só aqueles que chamaremos de materialmente pobres não têm hoje meios para aceder à abundância informativa, os restantes, podem fazer uso com mais ou menos facilidade de quase todos os suportes informativos, e retirar deles aquilo que julgam poder servir os seus propósitos de enriquecimento pessoal. Para trás, ficaram perdidos registos destruídos pela incúria, pela ingnorância, por fanatismos religiosos bem como ainda as vítimas de cataclismos naturais e acidentes irreparáveis como foi o caso do incêndio na Biblioteca de Alexandria. Claro que para nos servirmos da profusão informativa é necessário uma atenta e cuidada leitura do seu conteúdo, das suas fontes, e uma permanente desconfiança sobre cada um dos seus propósitos; tal como não há “almoços grátis”, também é necessário perceber os objectivos a que se propõem as torrentes informativas gratuitas, a fim de garantir-mos o bom uso de dados potencialmente flexíveis.
Voltàmos agora a Santa Justa, na busca de legendas fiáveis para os conjuntos de “muralhas” ainda agora disponíveis aos olhares, e para uma aproximação ao Povoado Calcolítico procurando descrever, com o auxílio da luz, as imagens dos objectos que há um século atrás diríamos colocados diante de uma câmara escura. Não foi uma tarefa fácil, pois as estevas e alguns arbustros não permitem estabelecer uma ideia de conjunto, ficando a confirmação para as descrições mais acessíveis de um “Povoado não muito grande, com cerca de 50 pessoas que viviam da agricultura e da pastorícia. Esta população dedicava parte da sua actividade à exploração de cobre e produziam artefactos nesse local. Povoado fortificado de forma oval, com muralhas espessas defendidas por bastiões ou torres adossadas e muralhas ocas ou vazias, a entrada fazia-se por uma porta defendida por uma torre. A entrada era lateral e fazia-se em cotovelo. É uma comunidade pobre com preocupações defensivas. Cabanas em forma circular e em algumas das quais com restos de fundição de cobre”.
Se nos anos 80 a quando dos trabalhos arqueológicos já existiam amendoeiras dispersas pelo cabeço essa é a única parte comum à actualidade, pois as torres, cabanas circulares e os bastiões que ali existiram, só com muito esforço se reconhece o desenho final da mão humana nos amontoados de blocos de xisto e grauvaque.
 





O local, visto à luz dos conceitos da actualidade, parece de facto pequeno para a importância económico/social que representou, embora nada garanta que todos os ocupantes tenham vivido intramuros, mas imaginar um agregado com tarefas de sobrevivência distribuídas num centro tão limitado, em que se desenvolviam competências metalúrgicas, oleiras, textéis e alimentares (queijo) limita a concepção para uma vida alargada para além da subsistência quotidiana, embora talvez não restringida à produção de bens de prestígio para o grupo, mas de perspectivas de comércio alargado “transfronteiriço” dos mesmos.
 
 
 
 


O desconhecimento sobre o povoamento da vasta região serrana circundante nos períodos neolíticos médio e final não ajuda a formatar a ocupação de Santa Justa para além dos atributos geológicos e ambientais deduzíveis; um horizonte com:
- uma posição dominante sobre sinais de aproximações indesejáveis
- cursos de água delimitadores da área circundante com potencial para apoio à subsistência dos ocupantes
- abundância de afloramentos de xisto e grauvaque na decisão para o levantamento da fortificação
- potenciais recursos minerais do chapéu cuprífero do Baixo Alentejo.

As campanhas arqueológicas deixaram-nos largos testemunhos de um período emblemático na evolução humana no Sudoeste, como os produtos acabados da actividade metalúrgica, os artefactos mágico religiosos, e o realce para um dos primeiros ninhos de objectos “mudos”, os crescentes, até hoje associados à actividade textil.
 
 





Catástrofes naturais recentes, que fustigaram o território das serranias Alentejo/Algarve, traçaram de cada vez linhas na aridez cada vez mais acentuadas provocadas pelos fogos ateados por negligência humana no período do ano em que as temperaturas são mais elevadas com efeitos devastadores sobre a fauna e a flora sempre coincidentes com as nortadas veraneantes favorecidas também pela descontinuidade ocupacional que impede uma detecção e intervenção mais oportuna. Nesta primeira visita ao Castelo, cercado pela vegetação própria do fim do Verão que deixa estes campos secos unicolores, salvo as resistes estevas e o que resta da folha das amendoeiras, encontrámos o sussurro do forte vento norte (25º no ar) que tão bem ateia e reacende os fogos, e os traços circundantes na ligeireza da reflorestação com pinheiro manso, uma árvore estranha às paisagens das serranias do baixo Alentejo que perderam os seus carvalhos em séculos já longínquos, acrescentando-lhe uma desnecessária matéria prima calórica de alta densidade incendiária cumulativa à da resina das estevas. No caminho, encontrámos, borboletas amarelas que não pousavam pois eram levadas pelo vento, velhas amendoeiras mesmo lá no meio do resta das “cabanas” do Castelo, amêndoas que não encontrámos relacionadas nos cadernos de campo das escavações (indiferenciadas pelas combustões ocorridas nos interiores das habitações), os espantalhos que já não afugentavam os pássaros das uvas criadas nos barrancos em poucas dúzias de videiras, e que além do fruto alimentam os fornos caseiros com as vides que vão secando ao sol pelos baixos telheiros da Aldeia.
Trouxemos como retrato das emoções, além dos odores próprios do vento, algumas amêndoas e um pequeno pedaço de cerâmica de revestimento das cabanas com uma impressão digital no contramolde, parente próxima dos testemunhos recolhidos, e publicados por VSG.
 


 
 
 

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