E

terça-feira, julho 29, 2014

Os Galgos de Amadeo - Olhar a História de uma Pintura

 




Amadeo de Souza-Cardoso
nasce a 14 de Novembro em Manhufe, próximo de Amarante, em 1887, e morre em Espinho, vítima de "pneumónica", ou gripe espanhola, a 25 de Outubro de 1918.
Neste espaço de tempo, muito breve, dividido entre Manhufe e Paris, o artista desenvolveu num ritmo veloz a mais séria possibilidade de arte moderna em Portugal.
Em 1906 parte para Paris, com Francis Smith e instala-se no Boulevard de Montparnasse. Estuda Arquitectura, frequentando os ateliers de Godefroy e de Freynet, mas acaba por desistir do curso, mais interessado em desenvolver uma actividade de desenhador e caricaturista e, permanecendo atento ao movimento artístico parisiense. Em 1908 começa a assistir regularmente às aulas da Académie Vitti com o pintor espanhol Anglada Camarasa. O seu atelier na Cite Falguiêre, torna-se um dos principais centros de reunião dos artistas portugueses, então residentes nesta cidade, onde se encontram para tertúlias e boémias.
A partir de 1910, desenvolve uma sólida amizade com Amadeo Modigliani e, relaciona-se com Juan Gris, Max Jacob, Sonia e Robert Delaunay, Otto Freundlich, Brancusi, Archipenko, entre outros. Destes contactos, Amadeo retém a informação teórica fundamental para o desenvolvimento da sua investigação plástica. A sua obra, marcada pela constante pesquisa e reformulação de conceitos e práticas pictóricas, atravessou todos os movimentos estéticos relacionados com a ruptura da arte convencional. Do cubismo à arte abstracta, passando pelo expressionismo e futurismo, Amadeo experimenta e ensaia modalidades pessoais de entendimento destas correntes.
 

Exames Luz Incidente e Rasante
A pintura 'Os Galgos', de Amadeo de Souza Cardoso foi examinada detalhadamente sob luz normal, luz rasante, radiação ultravioleta, radiação infravermelha e radiação X. Recorreram-se a diferentes instrumentos de aumento para a sua observação: lupa binocular e optivisor. O estudo foi complementado pela recolha de seis amostras para visualização dos estratos que compõem a pintura e identificação dos seus materiais constituintes.
Com excepção da identificação química de alguns dos materiais presentes, todos os exames efectuados, assentando unicamente em fenómenos físicos de interacção dos diferentes tipos de radiação com a matéria, não são destrutivos.
A radiação ultravioleta foi empregue apenas como instrumento de trabalho pois as informações reveladas por este exame não justificaram sujeitar a obra aos efeitos nocivos dos raios UV. 

Reflectografia Transmitografia de Infravermelho 

Método
Uma pintura com as suas camadas de cor opacas na parte visível do espectro electromagnético, torna-se cada vez mais transparente aos comprimentos de onda da ordem dos 780 a 2000nm do infravermelho, pelo que esta radiação é capaz de penetrar sob a superfície visível da obra até ao nível da preparação e desenho subjacente.
A reflectografia infravermelha trabalha entre os 1000 e 2000nm e utiliza uma câmara de vídeo equipada com um detector de IV do tipo vidicom que capta a radiação reflectida quando a pintura é iluminada por lâmpadas de filamento de tungsténio. A imagem obtida, denominada de reflectograma, é visionada num monitor monocromático e pode ser gravada em vídeo, fotografada ou editada em computador. A baixa definição das câmaras utilizadas apenas permite que pequenas áreas sejam estudadas de cada vez. A reflectografia total da pintura 'Os Galgos' resulta, no fundo, da assemblagem de cerca de 150 reflectogramas.
Na transmitografia utiliza-se o mesmo equipamento da reflectografia mas a fonte luminosa é colocada atrás da pintura e não à frente. A imagem obtida resulta da radiação transmitida através da pintura.

Interpretação da imagem
Como todos os exames de área, este método baseia-se no princípio de que as camadas constituintes de uma pintura interagem de forma diferente consoante a radiação a que são expostas, sofrendo fenómenos de absorção, dispersão, transmissão e reflexão. Do contraste entre materiais que reflectem ou absorvem esta radiação nasce a imagem reflectográfica.
Este método foi assim muito utilizado para o estudo do desenho preparatório de pinturas quando este era executado a carvão (absorve a radiação, criando uma imagem negra) sobre uma preparação clara (reflecte a radiação criando uma imagem clara). Geralmente as cores mais opacas ao infravermelho são os azuis e verdes, sobretudo se contêm pigmentos à base de cobre. No entanto, a penetração da radiação não depende unicamente da natureza dos pigmentos presentes, mas também da sua concentração volumétrica e da espessura das camadas pictóricas.
Na interpretação de uma reflectografia é crucial ter em mente que se olha para e através de imagens sobrepostas, parcialmente transparentes, sobre uma preparação e eventualmente um desenho preparatório.
A radiação IV é absorvida pelos mesmos materiais onde quer que eles se encontrem na estrutura da pintura e, uma vez absorvida, não consegue prosseguir de forma a revelar o que quer que seja relativamente às camadas subjacentes. Assim, uma linha ou mancha negra na superfície da pintura esconde tudo o que se encontra sob ela. Da mesma forma, motivos ou linhas executados em materiais transparentes ao IV podem estar presentes mas não ficam registados na imagem infravermelha. 

Radiografia 

Método
Os raios X são uma radiação electromagnética cujo comprimento de onda se situa entre a radiação UV e a radiação (10-12j10-8m). O facto de possuir uma energia elevada e um comprimento de onda da ordem das distâncias interatómicas permite que esta radiação atravesse uma pintura, incluindo o seu suporte (caso este seja de madeira ou tela), sendo absorvida de forma diferente pelos materiais que a compõem.
A imagem obtida resulta da radiação transmitida através da pintura e que sensibiliza a película radiográfica. 

Interpretação da imagem
A absorção da radiação X depende da espessura das camadas, do número e tipo de átomos que compõem o pigmento, sendo uma função do seu número atómico. Assim, pigmentos como o branco de chumbo, o amarelo da cádmio, contendo elementos de número atómico elevado (82Pb, 48Cd) absorvem fortemente a radiação X, dando origem a uma imagem radiográfica clara e opaca, enquanto que pigmentos de menor número atómico como a garança, o ultramarino ou o negro à base de carbono exibem maior transparência a esta radiação, permitindo uma maior sensibilização da película a qual resulta num negro mais intenso. O principal contribuinte para a criação da imagem radiográfica é o branco de chumbo que, misturado em menor ou maior quantidade com outros pigmentos forma gradações cujas variações mais suaves são registadas na película radiográfica.
A interpretação de uma radiografia é dificultada pela maior ou menor complexidade na sobreposição de camadas e misturas de pigmentos resultantes da técnica do artista.
Na imagem radiográfica da pintura 'Os Galgos' torna-se evidente que o cavalo branco é pintado à base de branco de chumbo e impede que tudo o que esteja sob ou sobre ele seja visível. Nota-se ainda que foi deixada uma "reserva", i-e, um espaço directamente sobre a preparação, para pintar os arreios desse cavalo, ou seja, se os arreios fossem pintados directamente sobre o branco do cavalo, eles não seriam visíveis na radiografia. 

Cortes Estratigráficos e Análises
A análise e identificação dos materiais constituintes de uma pintura é um complemento aos exames de área, não destrutivos, realizados na primeira fase de estudo da pintura 'Os Galgos'. O número de amostras e a escolha do seu local de recolha são definidos após uma observação atenta da pintura e limitados às margens ou acidentes da camada pictórica.
A amostra « 1 mm2) deve conter todas as camadas da pintura, exceptuando o suporte. Parte da amostra é utilizada para a realização de um corte estratigráfico, enquanto a restante é submetida a um conjunto de técnicas físicas e microquímicas que determinam a composição química dos diversos materiais presentes.
Para identificação da natureza da fibra do suporte recolheu-se um fragmento do fio de tela nas margens da pintura. 

Corte estratigráfico
Para a realização de uma estratigrafia, a amostra é envolvida em resina e polida, de forma a que, quando observada microscopicamente por reflexão (aumento entre 100 a 5OOx), possam ser transversalmente visíveis todas as camadas que a constituem.
A observação dos cortes estratigráficos permite conhecer a espessura e função dos diversos estratos da pintura, ao mesmo tempo que a observação da cor e dimensões dos grãos dos pigmentos constitui um primeiro passo na sua identificação.

Bibliografia seleccionada 

SOUSA, Pedro
"Exames de área na pintura de cavalete e no ensino experimental da Física"
TESE DE MESTRADO, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2002.

 Exposição organizada pelo atelier K4-Conservação e Restauro Lda (Vanda Saúde Coelho, Helena Pinheiro de Mello e Ana Isabel Pereira) e pela equipa do CAMJAP, que agradecem: 

O apoio generoso e empenhado do Instituto Português de Conservação e Restauro:
Dra. Ana Isabel Seruya (Directora), Dr. Pedro Souza (Reflectografia e Transmitografia), Jorge Oliveira (Fotografia a preto e branco frente: luz normal e rasante, pormenores a cor, macros) e Luís Piorro (Fotografia a cor, frente e verso) 

A colaboração de:
Instituto Gulbenkian de Ciência:
Dr. Sérgio Gulbenkian
Divisão de Documentação Fotográfica do Instituto Português de Museus:
José Pessoa (Fotógrafo), assistido por Luísa Oliveira e José Moreira (Radiografia)
José Manuel Costa Alves (Fotografia a cores e detalhes do suporte, fotografia da radiografia geral e detalhes)
Art-Lab Análises e Documentação de Obras de Arte Madrid:
Dr. Andrés Sanchez Ledesma (Cortes estratigráficos e identificação dos materiais)
Aos coleccionadores:
José Ernesto de Souza Cardoso
Paulo Pimenta

Sem comentários:

Enviar um comentário